terça-feira, 15 de abril de 2014

Sobre Criar Laços

Há uns anos, quando me sentia incapaz de "criar laços", apareceu uma borboleta extraordinária na minha vida que me mostrou que sou capaz de o fazer. Num desses momentos escrevi o texto que aparece a seguir que lhe é originalmente dedicado. Passados 4 anos partilho-o aqui com o objetivo de fazer um elogio à [sua] amizade. Nestes 4 anos tenho conhecido pessoas extraordinárias com quem criei e estreitei laços e que me tornaram uma pessoa melhor, mais consciente e tolerante. É também a elas que vai dedicado este texto. 
Deixo apenas um alerta: o texto não pretende ser Literatura. O texto é a expressão de um sentimento e apenas isso, a verosimilhança no que diz respeito às questões biológicas/físicas não foram uma preocupação.


A Pantera e a Borboleta.

Para a Borboleta,
Não há um único dia que deseje que te vás embora do meu ombro.

Era uma vez uma pantera que, ao contrário das outras panteras da sua espécie, era cor-de-rosa. A pantera não gostava de se sentir diferente dos seus pares e isso fazia com que algumas vezes se afastasse deles e se tornasse menos tolerante à sua presença. Ela só queria, pensava frequentemente, ser igual aos outros.

Um dia, enquanto passeava num jardim de amendoeiras em flor escondida de todos e perdida nos seus pensamentos, encontrou uma borboleta pequenina que, acreditou naquele momento, era a mais bonita de todas as borboletas que vira até ao momento. A borboleta era colorida e as suas asas eram pequeninas e sensíveis mas muito definidas. Era uma daquelas borboletas que vem com a primavera e que aquece o coração gelado do frio do inverno.

A borboleta pousou no ombro da pantera e seguiram algum tempo assim. No entanto, como a pantera não estava habituada a que gostassem da sua companhia, ficou incomodada e disse-lhe:
- Tu és uma borboleta tão bonita e colorida devias estar estar junto das flores que nesta altura do ano anseiam pela tua presença. Eu sou só uma pantera cor-de-rosa não posso dar-te aquilo que as borboletas precisam.
A borboleta, olhando-a delicadamente, desse-lhe com uma voz doce como quem canta uma suave e doce melodia:
- Isso é o que se espera que as borboletas façam. As flores são lindíssimas e tornam qualquer jardim fantástico e agradável aos olhos de todos mas nesta altura do ano são demasiado presunçosas e dificilmente se consegue estar perto delas. Eu prefiro estar aqui e caminhar a teu lado.
Não disse nada. Apesar de incomodada com a situação de proximidade, algo que havia tempo que ninguém tentava, a pantera pensou que seria inútil tentar explicar à borboleta o seu incómodo porque esta parecia irredutível e decidida a acompanhá-la.
Passado algum temo, a borboleta perguntou:
- Eu afastei-me das flores porque nesta altura do ano são convencidas mas sei que regressarei porque sou uma borboleta e gosto da sua companhia e do seu perfume, porque elas me alimentam. Mas tu, pantera, tu caminhas sozinha. Porquê?
A pantera considerou que a pergunta da borboleta era desapropriada e inconveniente mas sentiu nesse momento um estranho conforto. Pensou para si própria que havia muito tempo que ninguém queria saber como se sentia. Na verdade, pensou novamente a pantera, talvez tenha sido ela que não tenha dado oportunidade que outros o fizessem.
A pantera esperou algum tempo e disse:

- Sou cor-de-rosa. Já alguma vez viste uma pantera cor-de-rosa?
- Não, nunca tinha visto, retorquiu a borboleta não parecendo muito interessada nesse pormenor.
A pantera voltou a dizer-lhe:
- Por isso caminho sozinha, porque não sou negra nem feroz como as outras panteras.
A borboleta algo confusa afirmou:
- Mas o que me dizes não faz sentido nenhum. Não és negra mas és cor-de-rosa, como as bochechas dos bebés ou, em certas ocasiões, o pôr-do-sol. Não és feroz mas és da cor do algodão doce. Eu gosto tanto de algodão doce!! Isso...recordas-me o algodão doce!
A borboleta voava agora diante da pantera que parecia não lhe prestar atenção. Não sabia exatamente o que dizer, nunca tinha visto as coisas por essa perspetiva. Talvez o ser diferente não seja algo tão negativo como ela própria tinha pensado.
A borboleta, que ainda não tinha terminado o seu raciocínio, disse:
- Olha para mim, eu sou assim como vês pequenina e imperfeita mas já fui igual a milhares de lagartas. Quando crescemos, nós as borboletas, tornamo-nos também únicas e diferentes de todas as outras.

Olhou para a pequena borboleta, para as suas cores e movimentos. As suas asas quase imperfeitas davam-lhe um desenho único. Pensou também que as borboletas sentiam o mesmo que ela. Nunca tinha visto duas borboletas iguais.Todas eram diferentes com as suas cores e asas imperfeitas.Sentiu-se aliviada e feliz por conhecer um ser tão pequenino e excecional como o que acabara de conhecer.

Disse depois:
- Sabes, fazes-me lembrar um arco-íris. Tu és como o arco-íris: és colorida e tornaste colorido o meu dia e o meu caminho.
Caminharam em silêncio e a borboleta tornou a pousar no ombro da pantera. Nenhuma das duas se cansava daquele silêncio, nenhuma das suas sabia para onde se dirigiam mas sabiam que queriam ficar juntas. Sentiam-se bem assim e isso, para a pantera e para a borboleta era a única coisa que interessava. 
Isso bastava-lhes a si e à sua felicidade.