Tudo-é-treino
Tudo.
Tenho ouvido esta frase muitas vezes nos últimos meses.
Já antes a utilizava, mas à medida que o tempo passa, tenho vindo a encontrar-lhe outras referências. Tantas [referências] quantas as situações e desafios treináveis da vida.
Tudo é treino.
E isso depende, em grande parte, da nossa perspetiva sobre o que é treinar e das oportunidades que encontramos nessa ação para evoluirmos.
Pela minha experiência, nem sempre o treino surge da forma que queremos. Ele tem muitas caras (e variáveis) e serve muitos propósitos para sermos nós a retirarmos dele o que nos faz falta para evoluirmos e aprendermos.
Se o entendemos sempre?
Se a sua demonstração vem através de formas que nos são sempre favoráveis?
Nem sempre.
Algumas vezes é preciso afastarmo-nos do pensamento ordinário e confortável e abraçarmos um mais aberto, flexível e corajoso para lhe darmos significado.
Tudo é treino.
Correr 5 km ou 21km. É treino.
Correr a 4:10 ou a 7:50. É treino
Caminhar. É treino.
Correr à chuva ( 1 km ou 50). É treino.
Treinar, 2 horas ou 30 minutos, quando não me apetece. É treino.
Não ceder a comparações. É treino.
Optar por alimentar-me de forma equilibrada. É treino.
Nadar mais 100 metros depois do treino. É treino. (e não mania ou elitismo).
Respirar fundo depois de uma discussão. É treino.
Encontrar soluções para as dificuldades. É treino.
Ajudar alguém. É treino.
Gerir o esforço (do treino, do trabalho). É treino.
Encontrar uma oportunidade na dificuldade. É treino.
Trabalhar mais para um novo projeto. É treino.
Estar em família. É treino.
Dar oportunidade ao desconforto. É treino.
Permitir-me ser corajoso/a. É treino.
Dar atenção aos meus pensamentos. Interpretá-los e redirecioná-los. É treino.
Descansar. É treino.
Dormir bem. É treino.
(Decida o que aqui quer escrever). É treino.
Mesmo em situações inesperadas, ou principalmente nessas, pode encontrar uma forma de redirecionar a energia para lhe conferir utilidade e propósito.
Não sou hipócrita e sei o que o leitor poderá estar a pensar.
Não. Não é fácil fazê-lo. Na maioria das vezes nem apetece. Há um certo conforto em nos sentirmos impotentes. Há algum alívio no discurso que privilegia a queixa e a desresponsabilização pessoal. Por vezes, sentirmos pena de nós próprios sabe bem. (Desculpe-me a crueldade das afirmações, não me refiro a si, caro leitor que certamente não o faz, este é um comentário puramente autobiográfico.)
Como qualquer competência, rotina ou músculo é preciso treino para desenvolver essa capacidade de canalizar a energia das dificuldades em oportunidades.
Partilho o meu exemplo pessoal (vale o que vale, mas escrevo-o para que decida se vai me vai dar algum crédito sobre o que para aqui tenho vindo a escrever):
Depois de estipular um plano com o Bruno para fazer o meu primeiro trail longo (35.5 km), durante o primeiro quilómetro do treino, fiz uma contratura do glúteo piramidal. Tinha-me sentido bem até aí. Estava a fazer mais quilómetros do que tinha feito noutros processos de treino. Sentia que estava a desafiar-me e a evoluir.
Era evidente que iria parar de treinar. Senti-o porque nunca tinha sentido aquele tipo de dor.
Concedi-me algum tempo para chorar, para maldizer a minha "sorte". Na verdade, para aquele conformo da queixa e da autocomiseração. Sim, caro leitor, pasme-se, também me acontece!
No entanto, também sabia que não ia ficar aí muito tempo. Tinha a perfeita consciência que não era neste registo que queria ficar, principalmente porque não é nele que me reconheço e que reconheço a minha forma de pensar e agir.
Aproveitei, por sugestão das pessoas certas ao meu lado, para regressar à piscina. Passar mais tempo no ginásio. Treinar mobilidade. Reforçar a parte afetada, não no imediato, mas nas semanas seguintes.
Quando estava a explicar-me o plano de treinos para os 35.5 km, o Bruno disse-me claramente que era importante, como parte integrante do treino, que me colocasse em situações onde treinasse durante várias horas seguidas (sem olhar a tempos e/ou km), o que para esta situação em específico tive de adaptar.
Além disso, também me disse algo que fez muito sentido (na teoria porque na prática os desafios para o executar são muitos): que fizesse atividades físicas que me permitissem treinar a minha resistência ao aborrecimento (35.5km, são diferentes de 18 km, a distância que estava/estou acostumada a correr na montanha).
Ele ter-me dito isso e ter entendido a sua utilidade foi um trampolim para uma nova etapa. Não podia correr, mas podia treinar outros aspetos: ser resiliente à dificuldade. Gerir os meus pensamentos, tornando-os mais otimistas e realistas. Lidar com o aborrecimento do tempo em treino. Em suma, fortalecer-me noutros aspetos e ver o processo de treino de uma forma mais ampla e multidisciplinar.
Vou poupar-lhe a si o aborrecimento de escrever sobre as sessões dolorosas de eletropuntura e em como durante esses 10 minutos (3 sessões seguidas, em 3 semanas), transformei essa dor na visualização do esforço de chegar à meta (não vai ser já, mas vai acontecer!) depois de concluir 35.5 quilómetros na montanha. É tudo uma questão de perspetiva e de direção.
A forma como escrevo, agora já mais afastada da situação, corresponde à forma como lidei com os desafios? Algumas vezes. Nem sempre. Faz parte da evolução termos também essa perceção.
Por isso é que lhe lanço o repto:
Treine. Treine muito. Todos os dias.
Nem sempre pode escolher as circunstâncias, mas é da sua responsabilidade escolher como reage. O treino é na verdade esse, mais do que o resultado que nem sempre corresponderá ao que queremos, pelo menos não imediatamente. (Mais uma crueldade em forma de escrita, caro leitor, eu sei.)
Tudo é treino.
Qual é que vai ser o seu próximo?