quinta-feira, 18 de julho de 2024

Sobre Ética

 "Ética é estar à altura do que nos acontece"  de Gilles Deleuze

E isso implica, muitas vezes, assumirmos a liderança da nossa vida e a responsabilidade pelas ações e opções que tomamos.

Implica, necessariamente, honrarmos a nossa vontade de querer vencer e exatamente por isso estarmos mais vulneráveis às criticas dos outros. Ninguém quer saber muito de alguém que se mostra indiferente, já sobre quem assume que quer ganhar recaem sempre desconfianças.

E estas não se referem apenas ao contexto externo, mas principalmente ao contexto interno. Os nossos pensamentos sobre nós próprios, sobre as nossas capacidades ou sobre o nosso lugar num determinado contexto são o que mais nos condiciona, bloqueia ou nos torna inaptos. 

Há uma barreira interna difícil de transpor entre assumir o que quero e agir em conformidade. E esta barreira é tão mais difícil de ultrapassar quanto as nossas crenças (limitadoras ou potenciadoras) sobre nós mesmos o permitem. 

Desde outubro de 2023, quando voltei a estabelecer objetivos desportivos até há duas semanas atrás foram muitas as aprendizagens. Algumas delas, partilho-as aqui.

Pessoas. Basta uma pessoa. Aquela que te dá uma ideia. Uma centelha no teu entusiasmo. Uma que te desafie. Foram muitas as pessoas que conheci neste percurso. Que me tornaram uma melhor pessoa e, de certeza, uma atleta mais competente e consciente. Pessoas que celebram as nossas conquistas como se fossem delas próprias. Que enviam mensagens com energia boa. Que querem saber como estamos e qual é a próxima prova. Que são família. Que estão na meta à nossa espera para registar o momento e nos dar aquele abraço. Pessoas que fazem a prova connosco, abdicando da sua, porque querem estar ao lado dos nossos desafios externos e internos. Pessoas que te dizem "para a próxima é melhor treinares sozinha. Só te queixas." porque nos tornámos exatamente nas pessoas com quem não gostamos de estar. Pessoas a quem dizes: "Estou cansada. Não consigo mais." e que te respondem: "Descansas no fim." Pessoas que não alimentam o queixume. Que trabalham o aborrecido. O difícil. O doloroso todos os dias. 

Desafios. Eles vão existir sempre: na montanha, na estrada, na nossa casa, no nosso trabalho, à nossa volta e em nós. Durantes estes meses foram muitos. Alguns maiores do que me sentia preparada. Recordo aqui um relativamente recente que aconteceu durante um treino para uma prova de 25 quilómetros (uma distância que nunca tinha corrido). Já estava há 3 dias a fazer treinos de 10, 13 e 15 quilómetros e aquele deveria dar uma média de 17/18 quilómetros. Sentia-me cansada, mas ainda com trabalho para fazer. Fui para um dos meus lugares favoritos de treino: paisagem maravilhosa e terreno plano e misto (passadiço de madeira e terra batida). Os pensamentos sucederam-se em catadupa, como a poeira que o vento que se fazia sentir levantava.  Duvidei de mim. Do que eu era capaz. Da utilidade do meu esforço. Questionei sobre se este desafio não seria demasiado para mim. Talvez devesse manter-me no meu lugar. Naturalmente que o meu lugar é aquele que eu quiser que seja e só depende de mim assumi-lo e honrá-lo com toda a energia, esforço e trabalho. As dúvidas vão existir. A incerteza do resultado também. Fazem parte do processo.

Processo de Treino. A maior aprendizagem e os maiores motivos de desespero. O processo implica um método, não só de treino específico, mas de ações quotidianas de cuidado físico, nutricional ou mental. Um processo implica resistir à preguiça. Implica trabalhar a todo o momento o músculo da força de vontade. De fazer o que é para fazer em detrimento do que me apetece. De persistir no difícil. No aborrecido. Nos treinos madrugadores, ao calor abrasador entre aulas ou nos tardios. Continua a ser a maior aprendizagem. É um dos motivos de entusiasmo e confiança antes prova e um motivo de celebração no final da prova. 

Tenho o privilégio de ter o Bruno a conduzir este processo de treino, embora ele ironicamente diga que sou eu a fazê-lo!😅 A sua experiência, o seu exemplo e a admiração que tenho por ele, ainda antes de o conhecer melhor, fazem com que confie nas suas opções. É essencial.

Métricas. Medir. Medir. Medir. Os atletas com quem já trabalhei sabem na importância que dou a este tema. Só se pode melhorar o que podemos medir. Medir é concretizar. Não foi imediato, mas recordo o dia em que, depois de uma prova, e já de regresso a casa comentava com o Bruno as minhas estatísticas da prova. Foi a primeira vez que o vi a comentar os dados da performance. Fez-me algumas perguntas. Falámos sobre como me sentia em alguns aspetos relacionados com as provas, nomeadamente o facto de parar para dar passagem a outros atletas. Pediu-me para ver a quantos minutos tinha ficado da pessoa que no meu escalão tinha ficado à minha frente. 30 segundos separaram a terceira classificada no escalão (F40) da quarta (eu!). Ficámos em silêncio. A questão não é o lugar na classificação (já fiquei em 4º outras vezes e em 6º ou em 16º, assim como já fiquei em 3º). A questão é que eu num determinado momento, embora ela não tivesse pedido, parei para a deixar passar. A [outra]questão é: em que outros momentos da minha vida deixo passar quem vem atrás, em detrimento do meu caminho ou o meu objetivo? Em que outros momentos abdiquei/abdico de assumir a liderança?

Compromisso. Quando se analisam os dados, formula-se uma estratégia. Procura-se corrigir alguns aspetos do que foi analisado e melhorá-los. O foco passa a ser melhorar a cada prova e em cada treino. Estabelecer o compromisso de deixar todas as energias na prova. De não ter aquela sensação no dia seguinte de que talvez pudesse ter feito melhor, como já tinha sentido. Quando tens uma estratégia vais para a prova e sabes o que tens de fazer. O teu trabalho é adequar a estratégia ao terreno e à imprevisibilidade características de uma prova. Se dás  o teu melhor e a estratégia funciona, celebras. Se dás o teu melhor e a estratégia não funciona, analisas e aprendes. 

Competição. Quando nos comprometemos com o processo de sermos e darmos o nosso melhor tratamos de nos posicionar à frente. E aí, percebi à primeira, não há ruído. Não há distrações. Ninguém perde tempo a queixar-se do terreno, do desnível, do calor ou do frio, da sua condição física ou dos quilómetros que ainda faltam. Há foco. Só há uma direção: chegar à meta. 

Querer ganhar ou competir é inerente ao honrar o teu trabalho, os teus treinos, o teu esforço, o teu treinador e até os adversários. O ganhar, assim como o competir, terá o valor que lhe quisermos dar. E é inerente a quem participa e está na arena, que é como quem diz, que vive e se apressa porque quer estar à altura do que lhe acontece.

terça-feira, 25 de junho de 2024

Sobre Correr

[ou a arte de viver]

Num dos treinos das últimas semanas dei por mim a pensar em como correr se pode tornar uma metáfora da forma como decidimos viver.
O tema não é novo. Não é inédito. 
Correr é terapêutico. É empoderador. É a luta constante do isto não é para mim com o eu sou capaz
Nem sempre a passagem de  isto não é para mim ao  eu sou capaz é pacífica. Aliás, sabemos que não o é. 
Qualquer passagem, qualquer desafio com o qual nos enfrentemos é sempre conturbado, exigente e desesperante no seu início. Tremendamente compensador e reconfortante no fim. Tudo depende da forma como decidimos abraçar as diferentes fases do processo. 

Atualmente, considero-me uma corredora assídua, mas nem sempre esta assiduidade se revela de uma forma colaborativa. Nem sempre é espontânea ou agradável. Não. 
Se algumas vezes é leveza, é foco, é entusiasmo e desafio. Outras é puramente mecânico. É um número: de quilómetros, de ritmo, de altimetria, de dias (que faltam para a próxima prova). Outras ainda é desalento, desaire, desassossego. 
É uma e outra coisa. Nenhuma delas se exclui. 
É uma montanha russa de pensamentos e de sensações. O [meu] treinador pede-me que oiça o corpo, mais do que os pensamentos. É um trabalho árduo. 
Ouvir o corpo pode ajudar a estar mais presente no aqui e no agora e a ser mais objetivo, principalmente quando os pensamentos insistem em contrariar as sensações do corpo, mas estar focado no motivo que me levou a correr e a estar num processo de treino [acompanhado] é essencial para fazer o treino resultar.

Se deixar por um momento de pensar em corrida, pode adaptar isto a qualquer aspeto da sua vida. 
Não sei se correr é para todos, mas viver é, embora nem todas as pessoas o façam. O caminho nunca vai ser fácil. Pode decidir tornar-se mais forte e preparar-se ou pode desculpar-se com as condições (as que controla e as outras que não controla).  

Pode parecer irónico, mas sei exatamente do que falo. Sei porque num maior ou menos grau passo por isso. O trabalho nunca está finalizado. Nunca se está sempre motivado. O êxito [e o fracasso] são voláteis. 

Se eu poderia viver sem correr?
Podia, mas não seria a mesma coisa.

segunda-feira, 17 de junho de 2024

Sobre Finais

A eles, aos do 11º I


Querid@s alun@s,

Agora que estão a umas escassas horas de começar a vossa aventura pela avaliação externa, queria deixar-vos algumas palavras de incentivo. 

Independentemente do que esteja a passar-vos pelo pensamento nestes dias, de todas as interrogações sobre as vossas capacidades; de todas as lutas interiores sobre optar por descansar ou estudar para os exames, gostava de vos dizer que está ao vosso alcance conseguir seja o que for que queiram para a vossa vida e/ou o vosso futuro.


E quando digo que está ao vosso alcance, estou a referir-me exatamente à capacidade que acredito que têm de se responsabilizarem não só pelas vossas opções e prioridades, mas também pelos vossos objetivos, sonhos e desejos.
⏩Responsabilizem-se por tudo o que desejam e estabeleçam um plano para o conseguir. 
⏩Peçam ajuda a quem vos rodeia.
⏩Sejam honestos convosco. Não há ninguém que saiba melhor o que vocês querem do que vocês próprios (mesmo que não queiram decidir algo porque dá muito trabalho ou muitas chatices, a maioria de vós sabe bem o que pretende!).
⏩Não vale a pena olhar para trás para o que deveriam ter feito. Posicionem-se no presente (no agora) e atuem com base na experiência que já adquiriram: se o resultado não é o que pretendiam, mudem o processo (o plano) e, caso vos faça sentido, continuem focados no objetivo. 
Por vezes, no entanto, aquilo que nos levou a querer aquele objetivo já não nos faz sentido. Já está "ultrapassado" porque no processo de perseguirmos algo que queremos, também nos tornámos pessoas diferentes. Está tudo bem! Não temam voltar ao início e ganhar tempo para reformular as vossas prioridades. 
⏩Ajudem-se uns aos outros. 
⏩Sejam mais empáticos uns com os outros.
⏩Sejam mais generosos uns com os outros.


 Não se comparem. Cada um é único e intransmissível. É a forma como tratam os outros e o que fazem nesta vida que vos torna memoráveis, portanto desafio-vos a serem-no na vossa própria vida, convosco próprios e com os que vos querem.
Como disse no início deste e-mail, está ao vosso alcance conseguir o que for que queiram. Do muito grande ao ínfimo. Da ação hercúlea e que demorará mais tempo e consumirá mais energia, àquela que es pan comido.


Uma vez mais, são vocês que decidem. É da vossa responsabilidade.


Não reclamem. Não parem. 
Agradeçam. Trabalhem. Descansem. Organizem prioridades. Sonhem. Exercitem-se. Aprendam algo novo todos os dias. Ajudem alguém todos os dias. Façam algo que vos custe/seja difícil todos os dias. Digam a alguém que é especial quando encontram alguém especial. 


Sejam e principalmente vivam os pequenos e constantes momentos de felicidade diários. 


Aproxima-se uma época importante. Torço por cada um de vós. Pelos vossos planos. E junto-me a vós nesse nervoso miudinho. Como nas quase 500 horas de trabalho dos últimos dois anos, estou mesmo ao vosso lado pronta para aquele abraço.


Até já,


Inês

sábado, 13 de abril de 2024

Sobre a Mente [de principiante]

Hoje escrevo sobre esta.

Há uns meses cheguei à conclusão que vivermos a nossa vida, considerando esta mentalidade de principiante e de aprendizagem constante é um dos ingredientes para vivermos bem (salvaguardando o que é "viver bem" para cada um de nós).

Deslumbrarmo-nos com situações, pessoas e conhecimento como se fosse a primeira vez que tivesse acesso a eles, mantém-nos mais atentos a tudo o que está à nossa volta e, neste sentido, mais presentes no aqui e no agora.

Encontrar em cada situação já conhecida uma oportunidade de aprender algo que ainda não se sabe ou se conhece é abrir a mente a novas formas de conhecimento e aprendizagem. É, de uma forma, um ato altruísta por termos a amabilidade de nos permitirmos ter acesso ao outro. Ao novo. Ao desconhecido.

A mente de principiante também nos coloca no nosso lugar. Também nos faz entender o nosso percurso e a nossa evolução. Reconhecê-los e celebrá-los, tendo a consciência de que há sempre outras perspetivas que ainda não são conhecidas e com as quais posso aprender mais sobre mim e sobre os outros, traz-me uma enorme satisfação.

Adotar uma mente de principiante é sobre ser humilde enquanto ao seu lugar como pessoa conhecedora, mas é sobretudo ter consciência sobre o que ainda falta conhecer.

Nunca sabemos demasiado sobre algo que não possamos conhecer sob outro prisma. Sob outros olhos. 

Ter a consciência de que não sei tudo abre uma possibilidade infinita de novas opções de aprendizagem e, reforço esta ideia, ter outra forma de equacionar o que está a acontecer.

Por vezes, é só isso que falta.

A mente de principiante também nos faz ser mais empáticos com quem começa. Com quem faz ou se aventura a fazer. E esta empatia surge da capacidade de entendermos a coragem de quem faz algo. (ponto) Não como nós fazemos ou fizemos, mas respeitando o seu percurso. Respeitando, nas palavras de Theodore Roosevelt, "o Homem que está na arena" porque, se o entendemos, significa que também lá estamos. 

E a vida, caríssimo leitor, é só sobre estar na Arena. Participar. Envolver-se. Caminhar. Agir. Ser audaz. Servir. Amar.

sábado, 30 de março de 2024

Sobre Vencer

 Sobre o Nuno {Dias}.

Conheci o Nuno em 2020. Ouvi-o falar sobre o processo que levou a equipa do Sporting Clube de Portugal - Futsal a ganhar a Liga dos Campeões em 2018/2019.

A sua maneira de comunicar. A análise que fez das diferentes etapas desse mesmo processo. Os pensamentos que partilhou e, principalmente, a familiaridade e simplicidade com que nos tratou fez-me simpatizar imediatamente com a sua forma de estar e ser.

Desde esse momento, até à atualidade, não vejo muitas mudanças no Nuno. E penso que é isso que a mim, e a outros tantos adeptos de boas práticas de desportivismo e de desporto bem jogado, nos cativa na forma de estar do Nuno.

Acredito que seja das pessoas ligadas ao desporto que mais consenso reúne. Clubismos à parte, reconhecemos nele uma forma honesta de analisar o jogo e de o perspetivar. Além disso, ainda tem a capacidade de comunicar essas ideias de uma forma clara para que, dos mais ou menos entendedores da modalidade, seja compreendido.

Gosto de o ouvir falar na antecipação aos jogos e na análise que faz dos mesmos, nem sempre a favor do seu clube. Dele espero sempre uma honestidade intelectual que apenas está acessível a alguns. 

Não penso que seja propositado. O Nuno é todo ele humildade, generosidade e respeito: pela modalidade, pelos adversários. É um acérrimo defensor e completamente apaixonado pelo treino. Pelos jogos, Por ganhar.

Na ronda de elite para a Liga dos Campeões deste ano que aconteceu no João Rocha, um jornalista perguntou-lhe se as vitórias ainda significavam o mesmo para ele, considerando que já ganhou tudo o que há para ganhar e bateu todos os recordes que há para bater.

O Nuno disse-lhe que há sempre mais para ganhar. Que todas as vitórias são diferentes, por muitas que já possam ter sido celebradas. Afinal de contas, quem é que se cansa de ganhar? De bater recordes?

Não é a vitória que se celebra (isto já sou eu a dizer!). É o desafio de crescer e aprender mais e melhor sobre a modalidade. De testar novas estratégias. De lidar com o desafio da vantagem ou desvantagem nos 40 minutos de jogo. É querer sempre mais: mais vitórias, mais troféus, mais recordes, mais alegrias para os adeptos e para os apreciadores da modalidade. É querer ser melhor treinador [pessoa] para servir (e entender) melhor os que com ele trabalham. 

Querer vencer é respeitar o jogo, o adversário e a modalidade.

Individualmente, o Mister Nuno já foi distinguido nacional e internacionalmente de muitas formas. A comunidade desportista reconhece-lhe uma autoridade natural no seio da modalidade. 

Desportivamente, é dos que mais me inspiram. Escrever sobre ele é redutor. 

O Nuno é dos bons. Dos que ficam na memória além dos tempos. Dos que ultrapassam fronteiras e rivalidades.

Obrigada, Nuno.

sexta-feira, 29 de março de 2024

Sobre o treino

Tudo-é-treino 


Tudo.

 
Tenho ouvido esta frase muitas vezes nos últimos meses. 
Já antes a utilizava, mas à medida que o tempo passa, tenho vindo a encontrar-lhe outras referências. Tantas [referências] quantas as situações e desafios treináveis da vida. 


Tudo é treino. 

E isso depende, em grande parte, da nossa perspetiva sobre o que é treinar e das oportunidades que encontramos nessa ação para evoluirmos. 

Pela minha experiência, nem sempre o treino surge da forma que queremos. Ele tem muitas caras (e variáveis) e serve muitos propósitos para sermos nós a retirarmos dele o que nos faz falta para evoluirmos e aprendermos. 

Se o entendemos sempre?

Se a sua demonstração vem através de formas que nos são sempre favoráveis?

Nem sempre.


Algumas vezes é preciso afastarmo-nos do pensamento ordinário e confortável e abraçarmos um mais aberto, flexível e corajoso para lhe darmos significado. 


Tudo é treino.

Correr 5 km ou 21km. É treino.

Correr a 4:10 ou a 7:50. É treino

Caminhar. É treino.

Correr à chuva ( 1 km ou 50). É treino.

Treinar, 2 horas ou 30 minutos, quando não me apetece. É treino.

Não ceder a comparações. É treino.

Optar por alimentar-me de forma equilibrada. É treino.

Nadar mais 100 metros depois do treino. É treino. (e não mania ou elitismo).

Respirar fundo depois de uma discussão. É treino. 

Encontrar soluções para as dificuldades. É treino.

Ajudar alguém. É treino.

Gerir o esforço (do treino, do trabalho). É treino.

Encontrar uma oportunidade na dificuldade. É treino.

Trabalhar mais para um novo projeto. É treino.

Estar em família. É treino.

Dar oportunidade ao desconforto. É treino.

Permitir-me ser corajoso/a. É treino.

Dar atenção aos meus pensamentos. Interpretá-los e redirecioná-los. É treino.

Descansar. É treino.

Dormir bem. É treino.


(Decida o que aqui quer escrever). É treino.


Mesmo em situações inesperadas, ou principalmente nessas, pode encontrar uma forma de redirecionar a energia para lhe conferir utilidade e propósito.


Não sou hipócrita e sei o que o leitor poderá estar a pensar. 

Não. Não é fácil fazê-lo. Na maioria das vezes nem apetece. Há um certo conforto em nos sentirmos impotentes. Há algum alívio no discurso que privilegia a queixa e a desresponsabilização pessoal. Por vezes, sentirmos pena de nós próprios sabe bem. (Desculpe-me a crueldade das afirmações, não me refiro a si, caro leitor que certamente não o faz, este é um comentário puramente autobiográfico.)


Como qualquer competência, rotina ou músculo é preciso treino para desenvolver essa capacidade de canalizar a energia das dificuldades em oportunidades. 


Partilho o meu exemplo pessoal (vale o que vale, mas escrevo-o para que decida se vai me vai dar algum crédito sobre o que para aqui tenho vindo a escrever):


Depois de estipular um plano com o Bruno para fazer o meu primeiro trail longo (35.5 km), durante o primeiro quilómetro do treino, fiz uma contratura do glúteo piramidal. Tinha-me sentido bem até aí. Estava a fazer mais quilómetros do que tinha feito noutros processos de treino. Sentia que estava a desafiar-me e a evoluir. 


Era evidente que iria parar de treinar. Senti-o porque nunca tinha sentido aquele tipo de dor.


Concedi-me algum tempo para chorar, para maldizer a minha "sorte". Na verdade, para aquele conformo da queixa e da autocomiseração. Sim, caro leitor, pasme-se, também me acontece! 

No entanto, também sabia que não ia ficar aí muito tempo. Tinha a perfeita consciência que não era neste registo que queria ficar, principalmente porque não é nele que me reconheço e que reconheço a minha forma de pensar e agir.

Aproveitei, por sugestão das pessoas certas ao meu lado, para regressar à piscina. Passar mais tempo no ginásio. Treinar mobilidade. Reforçar a parte afetada, não no imediato, mas nas semanas seguintes.

Quando estava a explicar-me o plano de treinos para os 35.5 km, o Bruno disse-me claramente que era importante, como parte integrante do treino, que me colocasse em situações onde treinasse durante várias horas seguidas (sem olhar a tempos e/ou km), o que para esta situação em específico tive de adaptar. 

Além disso, também me disse algo que fez muito sentido (na teoria porque na prática os desafios para o executar são muitos):  que fizesse atividades físicas que me permitissem treinar a minha resistência ao aborrecimento (35.5km, são diferentes de 18 km, a distância que estava/estou acostumada a correr na montanha).


Ele ter-me dito isso e ter entendido a sua utilidade foi um trampolim para uma nova etapa. Não podia correr, mas podia treinar outros aspetos: ser resiliente à dificuldade. Gerir os meus pensamentos, tornando-os mais otimistas e realistas. Lidar com o aborrecimento do tempo em treino. Em suma, fortalecer-me noutros aspetos e ver o processo de treino de uma forma mais ampla e multidisciplinar.

Vou poupar-lhe a si o aborrecimento de escrever sobre as sessões dolorosas de eletropuntura e em como durante esses 10 minutos (3 sessões seguidas, em 3 semanas), transformei essa dor na visualização do esforço de chegar à meta (não vai ser já, mas vai acontecer!) depois de concluir 35.5 quilómetros na montanha. É tudo uma questão de perspetiva e de direção.


A forma como escrevo, agora já mais afastada da situação, corresponde à forma como lidei com os desafios? Algumas vezes. Nem sempre. Faz parte da evolução termos também essa perceção. 

Por isso é que lhe lanço o repto:

Treine. Treine muito. Todos os dias. 

Nem sempre pode escolher as circunstâncias, mas é da sua responsabilidade escolher como reage. O treino é na verdade esse, mais do que o resultado que nem sempre corresponderá ao que queremos, pelo menos não imediatamente. (Mais uma crueldade em forma de escrita, caro leitor, eu sei.)



Tudo é treino. 

Qual é que vai ser o seu próximo?