terça-feira, 15 de julho de 2025

Sobre o Liderança

 Julho é mês de Tour.

Há um ano, num zapping casual pelos canais de desporto, fixei-me na transmissão em direto do Tour de France na Europort.

O tom coloquial e divertido dos intervenientes fizeram manter-me ligada. Depois desse dia, veio o seguinte e vieram, naturalmente, outros. Dei por mim, assim a disponibilidade o permitisse, ligada aos comentadores, às suas histórias, às suas apostas, ao seu conhecimento. Lá fui eu de mão dada com o Olivier, o Paulo, o Luís, o Gonçalo e o José passear por esse mundo novo das etapas, do líder da Classificação Geral, do líder por Pontos, da Juventude e da Montanha. Dos sprints, do número das categorias, dos gregários, das estratégias, das bonificações e das pendentes de desnível. Obrigada!

É realmente a prova de ciclismo de excelência, aquela onde todos anseiam estar e ser protagonistas. 

Este ano tenho acompanhado o Tour de France, uma vez mais, nos canais da Eurosport

Este ano, além da evidente competição entre a estrela Tadej Pogačar e a rivalidade com Jonas Vingegaard e Remco Even Poel, além das enormes expetativas fundadas sobre o que poderia fazer o João Almeida, num ano em que a sua forma física e, acredito, mental está num patamar de excelência,  o Le Tour de France já conta com outras histórias. Daquelas que fazem do ciclismo, como ouvia o Luís Piçarra referir, um desporto de equipa.

Não sou entendida, nem especialista. E é assim que este texto deverá ser lido. 

Sou observadora e entusiasta de desporto, nomeadamente o de alto desempenho. É nesta perspetiva que partilho aqui 3 histórias desta primeira semana de Tour de France.

A primeira, [Sobre celebração]

Numa das etapas da primeira semana [a 4ª ], João Almeida depois de recuperar contacto com o grupo da frente e de se colocar na dianteira imprimindo um ritmo forte aos últimos quilómetros, leva Tadej Pogačar à sua 100º vitória. Um marco suficientemente histórico para podermos escrever sobre ele, mas redutor se observarmos a sua chegada à meta. Aí, vemos um sprint diabólico nos últimos 100 metros e no mesmo momento em que vemos a chegada à meta do homem da UAE, vemos, não muito distante, o João a celebrar essa vitória. 

Foi a imagem que retive. Uma imagem bem condizente com o espírito de uma equipa que faz o que deve ser feito, em equipa, e celebra as vitórias individuais também. E isso é tão bonito como raro. 

É bonito, no sentido de atitude, porque trás à superfície uma atitude altruísta de genuína entrega.

É raro porque cada vez demonstramos menos o nosso reconhecimento e felicidade pelas vitórias alheias. 

Sejamos mais um João Almeida desta vida!


A segunda, [Sobre Liderança]

Tadej Pogačar, líder da equipa da UAE, tem demonstrado que ser líder de uma equipa é mais do que ganhar uma prova ou fazer a equipa trabalhar para ganhar uma prova. Não preciso escrever aqui, até porque o meu desconhecimento não me permite fazê-lo, as capacidades e o currículo inacreditável que o ciclista tem. 

Tadej Pogačar é líder pelos resultados, mas é líder, e perdoem-me a redundância, na atitude de liderar. 

Depois da queda aparatosa na etapa 7 e ainda com um prognóstico reservado sobre a sua continuidade no Tour, Tadej, que venceu novamente essa etapa, não só elogiou João Almeida, reconhecendo-lhe importância no seio da equipa, como lhe dedicou a sua vitória. 

No início da etapa 8 João Almeida, que não obstante os condicionalismos físicos de escoriações e fratura decidiu alinhar, não esteve sozinho. Os colegas revezaram-se para o acompanhar nos primeiros momentos. Também as imagens na televisão mostraram Tadej ao seu lado. Nesse dia, mais palavras de conforto e elogio à sua atitude de resiliência e perseverança. 

Na etapa 9 a desistência de João Almeida e outras palavras de reconhecimento pelo trabalho e atitude do ciclista português.

Ser líder é isto. É estar lá, mesmo quando se está a fazer o seu trabalho e a lutar pelos seus resultados.

É estar ao lado e mostrar apoio: com palavras e/ou com atitudes. É aproximar quem, por algum motivo, se vai embora. É incentivar quem vê o objetivo adiado. 

As características de Tadej e a sua capacidade de ultrapassar recordes está à vista de todos. A elas juntam-se, para mim, estas que fazem os verdadeiros campeões. Os gentlemen da estrada [ou da vida!].


A terceira, [Sobre Sonho]

Jonas e Mathieu. Dois amigos. A mesma equipa. 

Numa conversa ao final da tarde Jonas comenta com Mathieu que tem o sonho de subir ao pódio do Tour de France, talvez com o prémio da combatividade. 

No dia seguinte, ambos saem disparados para aquilo que seria uma fuga nos primeiros km´s após o inicio da etapa. Aí estiveram eles 174 km na frente, em fuga sem adversários além deles próprios. Do seu esforço desmedido. Do seu suor e de dar oportunidade ao sonho. 

Não houve pódio na etapa, mas houve pódio no Tour de France. Comoção pela conquista de Jonas Rickaert e Mathieu Van Der Poel. Nas entrevistas rápidas após a chegada à meta Mathieu falou sobre o sonho de Jonas e sobre ajudá-lo a cumprir esse sonho [a ideia era dar-lhe a etapa, caso conseguissem manter a vantagem]. Jonas falou do sonho e comoveu-se, comovendo-nos. Nunca é demasiado tarde. 

É tudo o que precisamos: Expressar o nosso sonho e depois ter alguém que acredite nele e nos ajude a conquistá-lo. Tudo o que precisamos é ter um Mathieu Van der Poel na nossa vida. 


3 breves histórias sobre a outra parte do Tour. Aquela parte que resolvi partilhar. Uma perspetiva redutora e muito enviesada do que resolvi retirei dessa primeira semana.  

O alto rendimento não é para todos. É um facto. Já a atitude de excelência é. Não é preciso ser um atleta de alto rendimento, de topo e pódio para adotar uma mentalidade de excelência, de topo e de alto rendimento. É tudo uma questão de decisões. 

#tourdefrance

#TDF

#altorendimento

#mindset


sexta-feira, 11 de julho de 2025

Sobre Provas

Hyrox: The Fitness Race for everybody 


[O quê]


A prova de HYROX é uma competição de fitness funcional que combina corrida com exercícios de alta intensidade.
A competição é composta por 8 km de corrida intercalados com 8 exercícios funcionais. A ordem é sempre a mesma:
🏃1 km corrida
SkiErg (1.000 metros)
🏃1 km corrida
Sled Push (50 metros 4 x 12,5 metros)
🏃1 km corrida
Sled Pull (50 metros 4 x 12,5 metros)
🏃1 km corrida
Burpee Broad Jumps (80 metros)
🏃1 km corrida
Rowing (1.000 metros)
🏃1 km corrida
Farmer’s Carry (200 metros com halteres/pesos)
🏃1 km corrida
Sandbag Lunges (100 metros com saco de areia nos ombros)
🏃1 km corrida
Wall Balls (lançar bola contra a parede com agachamento – 100 repetições)


Na teoria é isto. 
Na prática, como devem calcular, a dificuldade desta prova não advém dos exercícios propriamente ditos. A dificuldade está na conjugação e consequente gestão de energia e força entre os diferentes segmentos de exercícios, enquanto desafias o teu corpo e a tua mente para a dificuldade. 


[Para quem?]
Vi o slogan que dá título a esta publicação em Valência. 
Gostei do trocadilho, mas bastou-me dar uma volta de reconhecimento pelo espaço para perceber que era mais do que uma mera conjugação de palavras que faziam sentido.
É definitivamente uma prova para toda a gente, para todas as silhuetas, para todas as idades, para todas as experiências-base ou até, como eu, para quem não tinha experiência nenhuma. 
Observar isso no terreno é inspirador: homens, mulheres, (muito) mais velhos, mais novos, quem vai ao ginásio [ou à box] e sabe o que está ali a fazer, quem não vai. Quem tem mais peso, quem tem menos peso, quem tem o corpo mais definido e quem não o tem assim tão definido. 

Alí há lugar para todos. E, embora não seja especialista, parece-me que é também daí que vem o sucesso das provas, frequentemente com lotação esgotada para as diferentes modalidades, em diferentes zonas da Europa e Mundo e com cada vez mais praticantes. 


[Onde?], [Quando?], [Com quem?]


Em todos eles, nas suas expressões nas diferentes etapas, há algo em comum, não obstante a sua proveniência e experiência: a arte valente de se  desafiarem a si próprios, ao seu corpo, à sua mente.


Basicamente em todo - Continentes, países e cidades para todos os gostos - e com muitas datas disponíveis em eventos até 3 dias durante toda a época (podem consultar as datas/lugares ainda desta época em https://hyrox.com/find-my-race/)


Valência. Málaga. Penafiel.


Em outubro/novembro quando o Bruno me falou desta modalidade e do seu interesse em participar numa prova com estas características (muito ao seu estilo, diga-se!), perguntou-me se eu queria fazer dupla com ele. Também por essa altura tinha-me inscrito na Swimrun Tróia e sabia que a disponibilidade para treinar para essa prova, além de ter de passar mais tempo (que não tinha!) no ginásio não a fazia propriamente irresistível. Declinei o convite e ele inscreveu-se a solo no Hyrox Málaga. 

Com o passar do tempo, e a perceber que ele levava este treino e o estudo da modalidade a sério (nada que surpreenda quem conhece minimamente o Bruno), surgiu-me a ideia de dizer ao Bruno que talvez a Isabel Guerreiro quisesse alinhar. Duas pessoas com o mesmo mindset: empenhadas num objetivo, comprometidas, trabalhadoras e… super competitivas.

Assim surgiu a sua presença no Hirox Valência como double mixed numa altura em que para essa prova abriu mais um dia.


🕀Valência - A curiosidade e o deslumbramento de um evento destas dimensões, tanto a nível de participantes, como no que diz respeito ao espaço físico. Estar rodeada do Bruno e da Isabel e ser testemunha do seu estado de superação foi também um momento maravilhoso de partilha. 

Estar ao lado do Bruno neste que era um objetivo foi também inspirador. O Bruno é uma pessoa extraordinária. Não há como não admirar toda a sua disciplina, empenho e foco. Todo o seu espírito de resiliência. Senti-me (continuo a sentir-me) verdadeiramente privilegiada por poder estar ao seu lado.


🕀Málaga - Três dias de uma viagem a dois. Continuei a estar em modo observadora e naturalmente entusiasta. Málaga foi familiar de tanta gente conhecida e amigos que lá encontrámos. 

Primeira prova a solo do Bruno. Sabía(mos) que ia ser dura. Foi completamente avassalador ver o seu corpo a lutar com a sua mente, com o seu querer e com a sua resiliência. 

Desfrutei de um sentimento profundo de respeito e admiração pela forma como se apresentou e pelo homem e atleta que é. A este propósito, se puderem, convido-vos a ler a publicação que fez sobre essa prova porque tem lá tudo. Está escrita com uma lucidez de quem passou pelo processo e deixou que este passasse por si também. 


🕀Penafiel (Beatx_penafiel)

Não demorei a decidir quando o Bruno me falou desta prova. Aceitei. O objetivo era ter uma experiência Hyrox antes da prova internacional do final do ano. Sem qualquer tipo de expetativa, fui treinando (pouco) com as sugestões do Bruno e os exercícios complementares. 

Íamos para nos divertirmos, para nos desafiarmos em dupla, para trabalharmos em equipa. 0 pressão. Nunca senti (ou não quis sentir!) qualquer pressão em relação a performance ou resultado. E nunca me senti pressionada para um resultado, para treinar, para estar de uma forma ou de outra. No avião para o Porto, estipulamos a organização das diferentes etapas. Conversámos sobre o ritmo na corrida e o que poderia ser adequado para a gestão da prova.


[Com que mentalidade?]


No terreno, tudo ganha uma dimensão diferente. Já não sou eu a gritar “Vamossss”. Não sou fotógrafa. Não sou a que sofro. 

No terreno sou protagonista. E é aí que muda tudo. Ir. Estar lá. Dar a cara. Colocar o ship. Vestir o top. Calçar as sapatilhas. Ouvir as instruções antes de darem a partida para o wave. Respirar fundo. Pensar no motivo pelo qual estás ali. Olhar para o teu partner. E seguir. 

No terreno, é muito mais duro do que do lado de fora das baias de proteção. É mais duro do que qualquer opinião dos especialistas sobre a melhor estratégia. É mais duro até do que pensavas que ia ser. Nenhuma sensação que se possa ter antes de ter feito uma prova destas se assemelha ao vivê-la. 

Sabia que não ia para esta prova para ser espetadora. Sempre lhe disse que queria contribuir. Antes da prova, perguntei-lhe se ele queria ir mais depressa ou se queria ir comigo. Sempre me disse (e durante a prova comprovou-o) que queria ir comigo. Também sei que quis resguardar-me. Proteger-me, como só os que gostam verdadeiramente de nós fazem. 


Nunca lhe disse, mas contava fazer a prova em 1h30. No entanto, qual não foi o meu espanto quando percebi que a dupla Pinheiro e Bondoso terminou em 01:19. Prova mais que superada! 

Como tive ocasião de dizer, O beatx_penafiel foi uma simulação totalmente pensada e organizada por portugueses. Com as devidas distâncias relacionadas com o número de participantes e visibilidade, em nada ficou atrás na organização e condições dadas aos atletas das que vi lá fora. Pensei que se aproveitasse esta simulação para atafulhar o espaço de praticantes. Nada mais errado. Houve espaço para todos, sem atropelos.


Um obrigada super especial ao maninho Pedro que esteve em Penafiel e que gritou por nós e fez os registos. Obrigada!


Um enorme abraço ao Rudi e à sua família pela simpatia e inspiração!


Até à próxima! :)



sábado, 25 de janeiro de 2025

Sobre Mudança

A mudança deve ser um dos temas mais recorrentes do desenvolvimento pessoal e, diria eu, profissional também. Ela é inerente à vida. Inerente ao estarmos vivos. Talvez por esse motivo viver se torne tão  extraordinariamente misterioso.

Viver é ir encontrando respostas para as perguntas que vão sendo colocadas no nosso Caminho. É, em alguns momentos, aceitar que não se tem uma resposta ou que é necessária uma nova pergunta. 

Escrevê-lo desta forma parece simplificar a questão, mas não. É complexa. É extenuante. É uma constante montanha russa de incertezas. Além disso, é um processo muito pessoal pelo que é arriscado dar uma receita que, na realidade não tenho. 

Independentemente do processo pessoal de cada um de nós, há algo que é transversal: quanto mais rapidamente tiver consciência das circunstâncias, encontrar um plano e adaptar-me, mais facilmente (seja lá o que isto queira dizer para cada um de nós!) posso ser bem-sucedida (= ter respostas!) naquilo que é o meu propósito e, algumas vezes, encontrar outras perspetivas e outras opções.

Não há otimismo exacerbado nesta conclusão. É um facto. Teremos sempre que o aceitar (ou negar). Não há volta a dar. 

Começo o ano a escrever sobre este tema, mas não é um tema novo para mim. Continua a ser um grande desafio gerir e adaptar-me às pequenas ou grandes mudanças na minha vida. Talvez por isso esta publicação não é propriamente para o leitor, mas um friendly reminder para mim própria. 

Do que tem sido a minha experiência, resistir ou fugir às circunstâncias aumenta a inação e a aparente falta de opções ou de capacidade pessoal para alterar as circunstâncias e ir à procura de algo melhor, ou pelo menos diferente. 

Nem sempre controlamos a chegada de uma mudança na nossa vida, mas podemos trabalhar a nossa reação a esse acontecimento:

- Assumir que está acontecer;

- Assumir a responsabilidade de agir em relação ao que está a acontecer;

- Perceber o que pode ser feito. O que preciso de fazer, que tipo de pessoa preciso de me tornar, que competências preciso de adquirir, que tipo de mentalidade preciso de adotar ou quem pode ajudar-me.

- Pôr o plano em ação. Agir. Agir. Agir.

- Avaliar o plano e reformulá-lo, caso seja necessário ajustar.

- Ser consistente e disciplinado/a.

- Ser resiliente e acreditar no processo.

- Perscrutar os resultados.

- Celebrar (?!?!)


 Não garanto que os resultados surjam. Nem sempre isso acontece. 

O que normalmente acontece é que, no processo, tornamo-nos melhores. Tornamo-nos mais... (cada um saberá o que quer para si!). Esse talvez seja a principal conquista. O principal motivo de celebração.

Penso que é isso que, em última análise, conta. Sermos melhores nem que seja 1% do que quando começámos. 1% melhores do que ontem.

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Sobre Ética

 "Ética é estar à altura do que nos acontece"  de Gilles Deleuze

E isso implica, muitas vezes, assumirmos a liderança da nossa vida e a responsabilidade pelas ações e opções que tomamos.

Implica, necessariamente, honrarmos a nossa vontade de querer vencer e exatamente por isso estarmos mais vulneráveis às criticas dos outros. Ninguém quer saber muito de alguém que se mostra indiferente, já sobre quem assume que quer ganhar recaem sempre desconfianças.

E estas não se referem apenas ao contexto externo, mas principalmente ao contexto interno. Os nossos pensamentos sobre nós próprios, sobre as nossas capacidades ou sobre o nosso lugar num determinado contexto são o que mais nos condiciona, bloqueia ou nos torna inaptos. 

Há uma barreira interna difícil de transpor entre assumir o que quero e agir em conformidade. E esta barreira é tão mais difícil de ultrapassar quanto as nossas crenças (limitadoras ou potenciadoras) sobre nós mesmos o permitem. 

Desde outubro de 2023, quando voltei a estabelecer objetivos desportivos até há duas semanas atrás foram muitas as aprendizagens. Algumas delas, partilho-as aqui.

Pessoas. Basta uma pessoa. Aquela que te dá uma ideia. Uma centelha no teu entusiasmo. Uma que te desafie. Foram muitas as pessoas que conheci neste percurso. Que me tornaram uma melhor pessoa e, de certeza, uma atleta mais competente e consciente. Pessoas que celebram as nossas conquistas como se fossem delas próprias. Que enviam mensagens com energia boa. Que querem saber como estamos e qual é a próxima prova. Que são família. Que estão na meta à nossa espera para registar o momento e nos dar aquele abraço. Pessoas que fazem a prova connosco, abdicando da sua, porque querem estar ao lado dos nossos desafios externos e internos. Pessoas que te dizem "para a próxima é melhor treinares sozinha. Só te queixas." porque nos tornámos exatamente nas pessoas com quem não gostamos de estar. Pessoas a quem dizes: "Estou cansada. Não consigo mais." e que te respondem: "Descansas no fim." Pessoas que não alimentam o queixume. Que trabalham o aborrecido. O difícil. O doloroso todos os dias. 

Desafios. Eles vão existir sempre: na montanha, na estrada, na nossa casa, no nosso trabalho, à nossa volta e em nós. Durantes estes meses foram muitos. Alguns maiores do que me sentia preparada. Recordo aqui um relativamente recente que aconteceu durante um treino para uma prova de 25 quilómetros (uma distância que nunca tinha corrido). Já estava há 3 dias a fazer treinos de 10, 13 e 15 quilómetros e aquele deveria dar uma média de 17/18 quilómetros. Sentia-me cansada, mas ainda com trabalho para fazer. Fui para um dos meus lugares favoritos de treino: paisagem maravilhosa e terreno plano e misto (passadiço de madeira e terra batida). Os pensamentos sucederam-se em catadupa, como a poeira que o vento que se fazia sentir levantava.  Duvidei de mim. Do que eu era capaz. Da utilidade do meu esforço. Questionei sobre se este desafio não seria demasiado para mim. Talvez devesse manter-me no meu lugar. Naturalmente que o meu lugar é aquele que eu quiser que seja e só depende de mim assumi-lo e honrá-lo com toda a energia, esforço e trabalho. As dúvidas vão existir. A incerteza do resultado também. Fazem parte do processo.

Processo de Treino. A maior aprendizagem e os maiores motivos de desespero. O processo implica um método, não só de treino específico, mas de ações quotidianas de cuidado físico, nutricional ou mental. Um processo implica resistir à preguiça. Implica trabalhar a todo o momento o músculo da força de vontade. De fazer o que é para fazer em detrimento do que me apetece. De persistir no difícil. No aborrecido. Nos treinos madrugadores, ao calor abrasador entre aulas ou nos tardios. Continua a ser a maior aprendizagem. É um dos motivos de entusiasmo e confiança antes prova e um motivo de celebração no final da prova. 

Tenho o privilégio de ter o Bruno a conduzir este processo de treino, embora ele ironicamente diga que sou eu a fazê-lo!😅 A sua experiência, o seu exemplo e a admiração que tenho por ele, ainda antes de o conhecer melhor, fazem com que confie nas suas opções. É essencial.

Métricas. Medir. Medir. Medir. Os atletas com quem já trabalhei sabem na importância que dou a este tema. Só se pode melhorar o que podemos medir. Medir é concretizar. Não foi imediato, mas recordo o dia em que, depois de uma prova, e já de regresso a casa comentava com o Bruno as minhas estatísticas da prova. Foi a primeira vez que o vi a comentar os dados da performance. Fez-me algumas perguntas. Falámos sobre como me sentia em alguns aspetos relacionados com as provas, nomeadamente o facto de parar para dar passagem a outros atletas. Pediu-me para ver a quantos minutos tinha ficado da pessoa que no meu escalão tinha ficado à minha frente. 30 segundos separaram a terceira classificada no escalão (F40) da quarta (eu!). Ficámos em silêncio. A questão não é o lugar na classificação (já fiquei em 4º outras vezes e em 6º ou em 16º, assim como já fiquei em 3º). A questão é que eu num determinado momento, embora ela não tivesse pedido, parei para a deixar passar. A [outra]questão é: em que outros momentos da minha vida deixo passar quem vem atrás, em detrimento do meu caminho ou o meu objetivo? Em que outros momentos abdiquei/abdico de assumir a liderança?

Compromisso. Quando se analisam os dados, formula-se uma estratégia. Procura-se corrigir alguns aspetos do que foi analisado e melhorá-los. O foco passa a ser melhorar a cada prova e em cada treino. Estabelecer o compromisso de deixar todas as energias na prova. De não ter aquela sensação no dia seguinte de que talvez pudesse ter feito melhor, como já tinha sentido. Quando tens uma estratégia vais para a prova e sabes o que tens de fazer. O teu trabalho é adequar a estratégia ao terreno e à imprevisibilidade características de uma prova. Se dás  o teu melhor e a estratégia funciona, celebras. Se dás o teu melhor e a estratégia não funciona, analisas e aprendes. 

Competição. Quando nos comprometemos com o processo de sermos e darmos o nosso melhor tratamos de nos posicionar à frente. E aí, percebi à primeira, não há ruído. Não há distrações. Ninguém perde tempo a queixar-se do terreno, do desnível, do calor ou do frio, da sua condição física ou dos quilómetros que ainda faltam. Há foco. Só há uma direção: chegar à meta. 

Querer ganhar ou competir é inerente ao honrar o teu trabalho, os teus treinos, o teu esforço, o teu treinador e até os adversários. O ganhar, assim como o competir, terá o valor que lhe quisermos dar. E é inerente a quem participa e está na arena, que é como quem diz, que vive e se apressa porque quer estar à altura do que lhe acontece.

terça-feira, 25 de junho de 2024

Sobre Correr

[ou a arte de viver]

Num dos treinos das últimas semanas dei por mim a pensar em como correr se pode tornar uma metáfora da forma como decidimos viver.
O tema não é novo. Não é inédito. 
Correr é terapêutico. É empoderador. É a luta constante do isto não é para mim com o eu sou capaz
Nem sempre a passagem de  isto não é para mim ao  eu sou capaz é pacífica. Aliás, sabemos que não o é. 
Qualquer passagem, qualquer desafio com o qual nos enfrentemos é sempre conturbado, exigente e desesperante no seu início. Tremendamente compensador e reconfortante no fim. Tudo depende da forma como decidimos abraçar as diferentes fases do processo. 

Atualmente, considero-me uma corredora assídua, mas nem sempre esta assiduidade se revela de uma forma colaborativa. Nem sempre é espontânea ou agradável. Não. 
Se algumas vezes é leveza, é foco, é entusiasmo e desafio. Outras é puramente mecânico. É um número: de quilómetros, de ritmo, de altimetria, de dias (que faltam para a próxima prova). Outras ainda é desalento, desaire, desassossego. 
É uma e outra coisa. Nenhuma delas se exclui. 
É uma montanha russa de pensamentos e de sensações. O [meu] treinador pede-me que oiça o corpo, mais do que os pensamentos. É um trabalho árduo. 
Ouvir o corpo pode ajudar a estar mais presente no aqui e no agora e a ser mais objetivo, principalmente quando os pensamentos insistem em contrariar as sensações do corpo, mas estar focado no motivo que me levou a correr e a estar num processo de treino [acompanhado] é essencial para fazer o treino resultar.

Se deixar por um momento de pensar em corrida, pode adaptar isto a qualquer aspeto da sua vida. 
Não sei se correr é para todos, mas viver é, embora nem todas as pessoas o façam. O caminho nunca vai ser fácil. Pode decidir tornar-se mais forte e preparar-se ou pode desculpar-se com as condições (as que controla e as outras que não controla).  

Pode parecer irónico, mas sei exatamente do que falo. Sei porque num maior ou menos grau passo por isso. O trabalho nunca está finalizado. Nunca se está sempre motivado. O êxito [e o fracasso] são voláteis. 

Se eu poderia viver sem correr?
Podia, mas não seria a mesma coisa.