domingo, 27 de janeiro de 2013

Sobre o Amor!

Já me aconteceu por mais do que uma vez, e de certeza que ao leitor também, saber de um inicio de namoro e/ou casamento entre duas pessoas que, na minha genuína e objetiva apreciação, não faz sentido nenhum e que "Não têm nada a ver um com o outro", apressamo-nos a referir.  Lembramos, tocadas por uma ponta de ciúme com a felicidade alheia, que dessa forma "só se estraga uma casa".
Considerações empíricas à parte, a verdade é que há coisas que não conseguimos explicar. Estou a lembrar-me de alguns provérbios que transmitem essa ideia de que os que estão apaixonados encontram sempre todas as razões e mais uma para esse sentimento. Razões que não se prendem com o aspeto físico ou psicológico, relações pessoais ou profissionais. São essas razões, as que não se definem ou não se consegue explicar que são verdadeiramente Razões.
Aos verdadeiros apaixonados e aos que por todas as razões e mais uma se amam, segue este texto fantástico [mais um!] de Joaquim Pessoa:

"Amo-te Por Todas as Razões e Mais Uma
Por todas as razões e mais uma. Esta é a resposta que costumo dar-te quando me perguntas por que razão te amo. Porque nunca existe apenas uma razão para amar alguém. Porque não pode haver nem há só uma razão para te amar.
Amo-te porque me fascinas e porque me libertas e porque fazes sentir-me bem. E porque me surpreendes e porque me sufocas e porque enches a minha alma de mar e o meu espírito de sol e o meu corpo de fadiga. E porque me confundes e porque me enfureces e porque me iluminas e porque me deslumbras.
Amo-te porque quero amar-te e porque tenho necessidade de te amar e porque amar-te é uma aventura. Amo-te porque sim mas também porque não e, quem sabe, porque talvez. E por todas as razões que sei e pelas que não sei e por aquelas que nunca virei a conhecer. E porque te conheço e porque me conheço. E porque te adivinho. Estas são todas as razões.
Mas há mais uma: porque não pode existir outra como tu."

Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'

sábado, 26 de janeiro de 2013

Sobre a Paixão!

Não sei em relação aos outros professores mas há um determinado momento da aula/ano letivo em que a pergunta aparece por interesse e/ou curiosidade: "Sempre quis ser professora?", perguntam-me a cada ano que passa os meus alunos. Este ano ainda não me foi colocada mas hoje pensei nela porque esta pergunta, normalmente, desilude o meu curioso auditório.
Não, nunca quis verdadeiramente ser professora. Lembro-me também de brincar que era professora, mas não me lembro de o querer efetivamente ser. A únicas duas profissões que me recordo bastante bem de querer ter sido foram a de advogada e a de jornalista [desportiva].
Esta minha revelação acaba sempre por suscitar algum alvoroço nos meus alunos e quando lhes digo que sou adepta de um bom jogo de futebol e que inclusivamente sigo a atualidade futebolística e desportiva, não conseguem olhar-me sem uma expressão incrédula.
Desde os meus 14/15 anos que o Desporto é uma paixão. Desde a mesma altura comecei a comprar frequentemente o jornal A Bola, a reparar nas fichas técnicas dos jogos, a comprar livros com as regras de futebol e de outras modalidades. Gostava de desporto em geral e cheguei mesmo a praticar Basquetebol e Futebol no âmbito do programa Desporto Escolar. Quando fui para a Escola Secundária fui-me inserindo no grupo dos rapazes da turma e não havia uma única segunda-feira que não nos reuníssemos no intervalo grande para conversar sobre jogos da jornada ou outros assuntos desportivos. Acabei por me tornar secretária da equipa masculina da minha turma e não perdia um jogo do famoso inter-turmas. Na altura ambicionava ser como a Cecília Carmo, uma das primeiras mulheres a apresentar programas desportivos.
Os anos passaram e eu cresci e comigo cresceram novos  interesses: literariamente lembro-me de gostar de ler tudo e mais alguma coisa. devorava livros sobre questões mais espirituais como Paulo Coelho, Kahil Gibran, li imensos clássicos e adorava escrever: escrevia essencialmente histórias que aconteciam nas férias, escrevia cartas às minhas amigas com questões existenciais, escrevia muitas cartas!
Depois de estar algum tempo adormecida, esta minha paixão pelo futebol voltou a ganhar novos contornos há sensivelmente 4 anos. Confesso que de uma forma muito mais moderada do que anteriormente, mas não deixa de existir!
Hoje, a convite de uns alunos que sabem do meu gosto por futebol, fui ver pela primeira vez um jogo de futsal. Fiquei completamente fascinada pelo ritmo de jogo extenuante para o jogador, mas completamente contagiante para o espetador. Já há muito tempo que não via um espetáculo ao vivo e saí do pavilhão com vontade de regressar àquela época dos comentários à segunda-feira, às aulas de "temática livre" em que a modalidade escolhida era sempre a mesma: futebol... Fiquei tão entusiasmada quanto nostálgica.
 
Obrigada, obrigada, obrigada!
 
 
 
 

sábado, 19 de janeiro de 2013

Sobre o Caminho: Considerações Finais


As repercussões físicas e anímicas desta viagem ainda hoje se fazem notar. Fisicamente, estive um mês com dores musculares. Os meus pés e joelhos nunca mais foram os mesmos e embora continue a fazer as minhas caminhadas de fim de semana e a praticar desporto, "eles" chamam-me à atenção quando o esforço é demasiado.
Não é possível descrever o alcance desta viagem na minha vida. Meses mais tarde escrevi a uma amiga a contar algumas coisas e disse-lhe algo semelhante a isto: "Não vais acreditar mas fiz o Caminho de Santiago. Mais tarde conto-te os detalhes desta extraordinária viagem mas, por agora, digo-te que este Caminho que há meses deixei e que me parece ter sido ontem que entrei no Obradoiro, é a metáfora de uma vida." Uma vida, digo hoje, com lágrimas e obstáculos para ultrapassar, uma vida em que os amigos fazem realmente toda a diferença. Uma vida em que a adversidade da chuva miudinha pode levar-nos tanto ao desespero como fazer com que esta se  torne um motivo para caminhar mais depressa. O Caminho (ou será a vida?) faz-nos pensar com cautela, seguir em frente quando não há forma de voltar para trás. Mesmo quando a floresta se adensava sobre nós havia uma beleza nessa imensidão que nos fazia esquecer o medo e a incerteza. Depressa aparecia o riacho para nos refrescarmos ou um galego simpático que nos oferecia abrigo da chuva que gentilmente recusávamos porque não podíamos perder de vista o nosso objetivo, mesmo que nos apetecesse parar, mais hora menos hora, com mais ou menos chuva, teríamos que lá chegar.
O Caminho fez-me reencontrar com os meus verdadeiros valores através de uma lição de e para a vida.

Eu encontrei-me no Caminho e, sem poder voltar para trás, segui em frente. Dessa vez e em todas as outras.

Sobre o Caminho [v]


Dia 4.

Negreira - Santiago de Compostela.

26 km aproximadamente.

O dia estava envolto numa neblina e antes de nos fazemos ao Caminho fomos dar uma volta pela Vila. Era cedo e estava ainda tudo muito deserto. Não chovia o que me lembro de ter sido para nós uma motivação extra além da que tínhamos por ser este o dia que menos quilómetros nos reservava. Os meus pés estavam efetivamente bastante melhores do que na noite anterior: havia mazelas e o cansaço muscular era realmente enorme mas as feridas estavam tratadas e era momento de nos pormos ao caminho. O meu joelho, que já tinha acusado algum cansaço, nesse dia não deixou de me fazer recordar o quanto aquela aventura o estava a cansar.
Saímos cedo de Negreira e, não sei se por ser já o último dia, pareceu-me que a paisagem não era tão densa como nos dias anteriores. Havia mais "civilização" e menos vegetação à nossa volta. Pudemos ver durante quase todo o caminho, toda a paisagem, a variadíssima e riquíssima paisagem galega em tons verdes que nem o verão faz desaparecer. Lembro-me de me sentar sobre uma ponte, a Ponte de Maceira e de aí tirar uma fotografia que há muitos anos está guardada no computador que desastradamente deixou de funcionar.
Lembro-me que o sol brilhava e que os quilómetros aproximavam-nos com mais celeridade do nosso destino. Acho que estávamos com tanta vontade de chegar que tínhamos medo que esse momento acontecesse e deixássemos para trás todos aqueles sentimentos que estavam inerentes ao Caminho.
No Monte do Gozo vimos Santiago ao longe, com o sol a iluminar o cinzento das casas e a imponente Catedral. Foi para lá que nos dirigimos para realizar o ritual característico de todos os peregrinos que chegam a Santiago.
Quando chegámos não entrámos imediatamente mas antes sentámo-nos no chão, tendo ali à nossa frente aquele fantástico testemunho de fé. Não sei bem em que pensávamos mas talvez no enorme orgulho que sentíamos por termos ultrapassado as adversidades do Caminho e estarmos ali, no nosso destino, como 4 dias antes nos tínhamos proposto. Dissemos algumas palavras de circunstância, um abraço de fraternal cumplicidade, uma fotografia para a posteridade e entrámos na Catedral.
Depois de realizar todo o ritual sentei-me num dos bancos da frente, olhei para Ele e sorri. Agradeci-Lhe ter-me dado a oportunidade de ter feito este Caminho sem consequências físicas mais graves do que as que poderia ter tido. Agradeci a experiência que 6 meses antes tinha começado. Agradeci a companhia daqueles que eram a minha família e que sem saberem fizeram parte de uma das viagens mais importantes que realizei até à data.

Abraçámo-nos uma vez mais, despedimo-nos e seguimos em direção às nossas casas mergulhados em pensamentos, em recordações. Chegámos diferentes, não tenho dúvidas em afirmar que o Caminhos nos modificou. A nós e aos que connosco se relacionam todos os dias.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Sobre o Caminho [iv]



Dia 3
Olveiroa-Negreira
33 km. Aproximadamente
 
A minha decisão de fazer o Caminho de Santiago além de ter sido de uma enorme irresponsabilidade devido à falta de preparação física, prendeu-se com objetivos que inicialmente estavam um pouco afastados da Fé que, segundo indicações escritas na credencial que acompanha o peregrino, é o único motivo que deve mover este a realizá-lo.
Durante a minha estadia em Santiago ouvi muitas vezes outros alunos falarem do Caminho. Vi centenas de vezes a Praça do Obradoiro repleta deles que, com uma última réstia de força subiam, mais animados, as escadas da Catedral. Admirava-os e o seu espírito de abnegação emocionava-me.
Como disse antes, inicialmente o espírito de aventura cativara-me de uma forma avassaladora e aceitei, literalmente de um dia para o outro, fazê-la na companhia daqueles que tinham sido a minha família durante aqueles 6 meses.
No entanto, inevitavelmente o Caminho aproxima-nos d´Ele. E sentimos a Sua presença discreta. Perguntamos se nos está a ouvir. Pedimos que a chuva pare ou que tenhamos força anímica para seguir em frente. Demorei algum tempo a conseguir escrever isto mas esta é a verdade e esta vertente religiosa revelou-se-me no terceiro dia de Caminho.
Despedimo-nos do Martin, da Gosia e da Danuta e a tristeza desta despedida, por tudo o que tinha significado para nós o Caminho até à altura e todos os outros que até dias antes tínhamos feito em conjunto, deixou-nos mergulhados em pensamentos e recordações. Saímos sem a sua presença e sem vontade de falar.
Poucos quilómetros mais à frente, a chuva voltou a aparecer, a memória do dia anterior voltou e dei por mim a rezar o terço. Não sei exatamente se rezei bem, como deve ser rezado e acompanhado. Sei que me lembrei das noites em que a avó Encarnação me ensinava, a mim e aos meus primos, e tentei reproduzir alguns desses ensinamentos. Rezava para a chuva parar. Sempre que ela nos dava tréguas em sorria e cheia de alento agradecia-Lhe.
Numa das ocasiões em que já estávamos a caminhar há uma hora debaixo de chuva parámos num pequeno (mesmo pequeno) café. Estava exausta e queria desistir. Disse-o aos meus companheiros mas os seus olhares ficaram em silêncio. Dirigi-me à empregada de balcão e perguntei-lhe a que horas passava o próximo autocarro para Santiago. Disse-me num tom desanimado de galego quase puro: "O único que existe saiu há 15 minutos." Sorri, considerando a ironia. Olhei para eles, pus a minha mochila às costas e segui viagem. Entendi, naquele momento, que só havia um sitio para ir, um caminho a seguir, uma decisão a tomar. Desta forma, pusemo-nos ao Caminho.
Chegámos a Negreira debaixo de chuva intensa. A mesma chuva que horas antes tinha começado a cair e que depois de tanto tempo batendo no meu corpo, ensopando-me fez-me, por momentos, alucinar. Durante uma etapa em que a floresta nos envolvia, virei-me para ver de onde vinha o barulho que tinha ouvido e "vi" um enorme cão com dentes afiados vir na minha direção. Estava a alucinar. Acredito que os leitores mais céticos tenham alguma dificuldade em acreditar, mas foi isto que eu vi. Lembro-me bem porque foi muito real, mesmo não tendo sido verdadeiramente real.
Em Negreira o albergue também estava cheio mas acomodámo-nos na sala/receção. Tomámos um bom duche e conseguimos sair para comprar algo para jantar. A média de idades dos peregrinos que ali estavam rondava os 40 anos. De certeza que nós, com os nossos 20/25 anos fizemos com que ela baixasse. Conhecemos pessoas de todo o mundo, peregrinos que estavam no seu 1000º quilómetro. Histórias de vida de empenho, entusiasmo e preserverância. Vidas que são autênticos Caminhos. Uma das histórias que ouvi e que normalmente conto aos meus alunos está relacionada com um australiano que há anos que andava a percorrer Caminhos por todos os continentes. Vinha sozinho e eu perguntei-lhe porquê. Ele disse-nos que meses antes tinha convidado alguns dos seus melhores amigos a juntarem-se a esta sua aventura. Na altura, referiu, uns 10 disseram logo que sim. Meses mais tarde, voltou a questioná-los sobre a sua disponibilidade e apenas uns 5/6 mostraram interesse, embora com alguma relutância porque não tinham preparação, tinham que programar as coisas com tempo e outras desculpas. Um mês antes os seus amigos tinham desistido de fazer a viagem, argumentando da melhor forma que podiam. E ele veio sozinho porque, como nos disse, se tivesse à espera de companhia não tinha saído da Austrália, não estaria no seu 1000º quilómetro e não teria tido a oportunidade de nos contar esta história. Invejei a força de vontade e ainda hoje recorro ao seu exemplo em diversos âmbitos da minha vida pessoal e profissional.
Nessa noite também conheci um homem que viria a ser determinante para o meu objetivo de terminar o Caminho. Não sei o seu nome, penso que não estabelecemos um diálogo de circunstância. Chegou-se perto de mim e perguntou-me, em espanhol, se eu estava bem. Disse-lhe que sim, embora tivesse algumas dores e bolhas nos pés, estava bem! Escondia os pés porque os tinha negros: as meias pretas, debaixo de chuva...já se sabe. Perguntou-me se os podia ver e eu, muito envergonhada, mostrei-lhos. "Precisa de ser tratada", disse-me, "Bem...isto se realmente quiser terminar o Caminho". Disse-lhe que não valia a pena porque no dia seguinte estaria em Santiago. Olhou para mim e disse-me com ar sério "se quiser chegar a Santiago tem de deixar que eu a ajude. Posso?" Com um sorriso, disse-lhe que sim. Tratou das minhas bolhas e deu-me um creme para massajar os pés. Pediu à vigilante para me colocar no quarto reservado às pessoas com deficiência motora mas eu recusei perentoriamente: não me ia afastar da animação típica dos albergues e da confraternização e não me ia deitar confortavelmente enquanto os meus companheiros estavam a dormir no chão. Ele era médico, disse-me depois, e talvez tenha sido também por sua causa que consegui chegar a Santiago no dia seguinte. Talvez...
Dormi com um conforto que até aí não tinha sentido: um conforto emocional e espiritual também. Dormi profundamente.
 
 

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Sobre o Caminho [iii]

 
Dia 2.

Finisterra-Oliveiroa

31 km aproximadamente

 
O dia seguinte amanheceu com sol na bonita cidade de Finisterra. O burburinho típico dos que se levantam ainda de madrugada para seguir o seu caminho fez com que a noite tenha sido mais curta do que precisávamos. Dormimos nos nossos sacos-cama num hall perto dos outros quartos mas pareceu-nos um luxo, considerando a possibilidade de dormir ao relento. As noites na Galiza, mesmo em junho, eram frias.
Partimos em direção à praia e tivemos ainda tempo de tirar algumas fotos em grupo. Percebi mais tarde que o tempo usado para estas pequenas pausas tería sido útil noutro momento do Caminho. Percebo agora, volvidos 8 anos, que esse momento na praia foi o último de sentida descontração e genuína diversão em grupo.
O Caminho continuava à nossa frente e durante ainda alguns quilómetros pudemos ver o mar à nossa esquerda. Uma paisagem maravilhosa difícil de descrever por palavras: o azul do mar estendia-se pelo horizonte até não ter fim.
Antes de entrarmos pelas montanhas com destino a Oliveiroa, parámos em Cee para descansar e recuperar energias. Gentilmente alguns farmacêuticos, vendo o nosso estado de cansaço, ofereceram-nos pomadas para as tendinites e barras energéticas. Recomendaram-nos que ingeríssemos calorias, nomeadamente chocolate. Neste momento houve algum desconforto no grupo porque o Martin sugeriu desistir do Caminho. Estava cheio de dores e pensou seriamente em fazê-lo. Com algum entusiasmo e espírito de equipa tentámos demovê-lo dessa ideia e conseguimos, embora não por muitos mais quilómetros.
Tento descrever o que se passou a seguir e, ao mesmo tempo, esforçar-me para não me tornar repetitiva mas não é tarefa fácil. A partir de Cee a situação piorou: as dores acentuaram-se e os ânimos foram ficando resfriados, consequências de uma falta de preparação evidente para um percurso tão longo e intensivo como aquele que nos propusemos fazer.
Já em plena montanha, entendemos que não eram só os nossos ânimos que estavam resfriados, também o tempo começou a mudar e a ficar escuro e frio. Não tardámos a perceber que uma das situações mais caricaturada em postais, canecas e outros "recuerdos" galegos era realmente verdade, mesmo na época estival em que nos encontrávamos: o homem de gabardine numa tempestade hiperbolizada.
Faltavam aproximadamente 15 quilómetros para o nosso destino quando começou a chover torrencialmente. A chuva aparecera e nós não estávamos preparados para a sua visita. Aliás, ainda nesse dia estava a curar um escaldão de que fui alvo no dia anterior. Escusado será dizer que, se as dores eram muitas, nessa altura a nossa preocupação voltou-se para a situação de  estarmos sem qualquer tipo de proteção. Durante horas a chuva não teve piedade de nós e, algo que nos preocupava mais, o dia estava a fazer-se escuro. Também nessa altura, apercebemo-nos de que há alguns quilómetros que não víamos a concha (Vieira) que dava as indicações para o Caminho certo. Andávamos por entre a montanha com o sentimento de estar à deriva.
O poder da chuva é extraordinariamente demolidor. Não falo naquela chuva miudinha e durante um curto espaço de tempo que invade os cenários das comédias românticas. Falo daquela grossa e que durante horas, sem impermeável ou chapéu que nos valha, cai incessantemente sobre o corpo cansado e acelera a exaustão da mente. Dessa chuva, essa que mói e que tortura. Dessa não sinto saudades.

O estado de espírito geral não era animador mas nunca, em 32 anos de vida, senti tanto estímulo, carinho e amizade como naquele momento em que, sem força anímica, me deixei para o final da fila. Era no final da fila, longe dos olhares, que maldizíamos o fato de não encontrarmos a Vieira, o termos demorado mais tempo nas fotos, o não termos pensado nos impermeáveis ou nos chapéus-de-chuva. Era no final da fila que chorávamos. Eu chorei para logo a seguir sentir ao meu lado a Yustyna e a Danuta que me puseram a aprender os números em polaco: "jeden" dizia ela e eu com o meu polaco macarrónico, tentando imitá-la, repetia. A minha tentativa arrancou dos caminhantes cabisbaixos uma gargalhada geral. Ela continuou: “dwa” e eu também, bem como os sorrisos complacentes com a minha falta de aptidão para o polaco. Sorrisos cansados e calorosos.
Alguns minutos depois encontrámos a Vieira e seguimos mais motivados para o Albergue de Oliveiroa.
Quando lá chegámos, os beliches estavam cheios mas outros peregrinos, devidamente preparados ofereceram-nos as suas camas. Eles não souberam mas estou-lhes eternamente grata. A responsável pelo albergue fez-nos sopa quente ue comemos com uma enorme satisfação. Falámos um pouco sobre o dia seguinte e a possibilidade de alguns do grupo abandonarem o caminho e regressarem de autocarro a Santiago. Queríamos deixar essa decisão para o dia seguinte. O cansaço apoderou-se de nós e depois dos habituais estímulos e e palavras amigas, deitámo-nos. Neste momento não me consigo lembrar se tinha dores, mas lembro-me que psicologicamente me sentia profundamente cansada. Lembro-me de ter agradecido o estar ali.