sábado, 28 de dezembro de 2013

Sobre viver mais um ano

Eu sou uma mulher de retrospetivas e [auto]análises. Feitas de uma forma saudável são uma alavanca para [re]definir estratégias, encontrar novas e reformuladas motivações e objetivos ou [re]definir prioridades. Preciso constantemente de encontrar novas forma de atuar, de perceber o que me rodeia e com isso como posso motivar-me e motivar os que me rodeiam. Não é tarefa fácil, não para mim que sou insatisfeita por natureza (e em relação a isso não me parece que seja muito diferente de um qualquer Ser Humano). 
Passando o 2013 em revista, não posso deixar de considerar que, dentro de todos os acontecimentos que possam ter sido atípicos e que me fizeram experimentar sentimentos contraditórios, foi um bom ano.
Foi um ano em concretizei simples "projetos" que já há algum tempo que pensava concretizar como ser voluntária no Mundialito Feminino e noutros projetos da Federação Portuguesa de Futebol ou participar na Mini Maratona EDP. Pessoalmente foram dois projetos que me enriqueceram bastante: pela experiência e pelo sentimento de sair da minha zona de conforto que me proporcionaram. Mas o mérito não foi só meu. Tive perto de mim uma pessoa muito importante que me animou a fazê-lo e a desvanecer todas as minhas dúvidas em relação a um possível falhanço. Obrigada DG por teres estado comigo e me teres apoiado em todos os momentos, mesmo naqueles em que eventualmente me chateei contigo por teres insistido em algo que eu não queria ver ou que o medo fazia com que não visse.
Foi também um ano cheio de desafios profissionais e de algum reconhecimento por parte dos que trabalharam comigo. Foi mais um ano de trabalho no Agrupamento de Exames de Faro que tantos desafios me coloca em cada dia que lá trabalho com pessoas extraordinários e com um espírito de equipa fantástico (tenho de lhes dedicar um post em 2014!).
Foi mais um ano de viagens por este nosso Portugal, de descobrir paisagens inspiradoras.
Foi, enfim, um ano de muita incerteza com uma colocação deveras tardia e já quando perdia a esperança de poder ficar colocada. Foi um ano de mais uma nova escola, uma nova cidade e novos futuros amigos!
Um ano cheio de bons momentos!
Obrigada a todos os que me acompanharam, os que me alertaram, os que me aconselharam e motivaram.
Obrigada!

Feliz 2014, a si que me encontra por aqui, todos os dias do ano... ou pelo menos em alguns deles!

 

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Sobre o Natal

Não sou grande apreciadora dos valores consumistas do Natal, nem do brilho das luzes que ofuscam os sinceros e reais valores. Vivo-o de uma forma bastante intensa porque para mim também é sinónimo de regresso a casa e não há nada melhor do que poder chegar a casa: o seu cheiro característico; o seu calor; as suas rotinas e, principalmente, as pessoas que fazem com que seja "minha": a família.
Na mesa não há, felizmente, nada que falte; à volta da mesa sentam-se os anfitriões, a matriarca da família e uns amigos. Não há nada que pudesse receber (fisicamente) que substitua este sentimento de aconchego; de pertença; de paz interior e felicidade.

Que o leitor possa ter desfrutado de momentos semelhantes é o meu desejo sincero!



quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Sobre as Irmãs

Costuma dizer-se que os amigos podemos escolher mas a família não, esta é-nos atribuída desde que nascemos.
Eu tenho o privilégio de ter uma família fantástica e não mudaria nenhum dos seus elementos (talvez acrescentasse um irmão que tantas vezes "pedi" aos meus pais).
Mas há três anos a minha família aumentou consideravelmente. Não a minha família de sangue mas a outra, a dos amigos. E o mais surpreendente é que pude escolhê-la. Há três anos começámos um percurso conjunto, emotivo e arrebatador na verbalização de um desejo já antes expresso, com mulheres simpáticas, galhofeiras, bem-dispostas, genuínas e sempre de sorriso e braços abertos. Mulheres genuinamente trabalhadoras que admirávamos pelo trabalho musical e espírito que as caracterizavam e com quem até hoje tentamos construir uma relação forte e sólida.
Essas mulheres fazem parte da Tuna Feminina Scalabitana que nesse fim de semana há três anos atrás completava 10 anos de existência.
 Hoje elas voltam a ter motivos para celebrar pelo décimo terceiro ano consecutivo e nós também: mais um de convívio, de apoio incondicional em momentos cruciais (como só os irmãos podem/sabem dar!), de palavras amigas, de um coração que sente em novembro e junho aquilo que os olhos não veem o resto do ano.
Mas não há longe nem distância quando se gosta, quando se sente o carinho de gente que, como nós, sente, partilha, comove, diverte e recebe.
Num momento em que a crise económica se arrasta a uma nítida crise de valores nas várias vertentes da nossa vida pessoal e profissional. Num momento e que é mais fácil ficar centrado no meu umbigo, nas minhas necessidades e preocupações e preocupar-me em fazer crescer o meu Ego, é refrescante e motivador poder fazer parte de uma relação destas, de um compromisso que há três anos decidimos consolidar. Compete-nos a ambas as tunas fazer com que o compromisso não se quebre: que continue a concretizar-se motivado pelos anseios e desejos originais. É este o principal desafio atual... mais um!

Parabéns Tuna Feminina Scalabitana!
Parabéns Feminis Scalabitana!

Que continuemos a ter motivos para ter Memórias!

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Sobre aprender a (uma) lição

Há sensivelmente quatro semanas comecei um curso de Formação Pedagógica Inicial de Formadores através da Empresa Valor Por Medida. 
Apesar de todos os receios inerentes ao início de mais um projeto que eu saberia poder vir a ser de crescimento pessoal e profissional as expetativas estavam (e continuam a estar) elevadas. Tenho a certeza que ao longo dos próximos dois meses escreverei sobre outras inesquecíveis lições. 
As sessões são ministradas aos sábados. Oito horas de trabalho num dos dias destinados ao descanso semanal que passam num abrir e fechar de olhos e que compensam cada hora a mais da minha semana para me conseguir organizar.
Numa sessão destinada ao perfil do formador e concretamente à necessidade de este ser empático e de saber colocar-se no lugar do outro [do formando]; perceber as suas necessidades e motivações/interesses e respeitar a sua experiência profissional e pessoal e com elas poder formar e simultaneamente aprender, um dos formandos queixava-se da falta de flexibilidade das pessoas mais velhas (e com mais experiência) com quem trabalha que demonstram alguma intransigência em relação à opinião de trabalhadores mais jovens.
O formador disse então algo que nos deixou pensativos e até mesmo escandalizados... "Oh M. se você se irrita, a culpa é sua. Não duvide!" Não esmiuçou muito o assunto mas deixou transparecer que somos nós quem tem a opção de decidir entre o estar irritado ou não. Sobre aquilo que nos irrita ou não irrita. Assim como estabelecer prioridades que nos façam estar bem, relativizar, dedicar forças e empenho ao que realmente podemos e está ao nosso alcance controlar/mudar.

Hoje estive em leituras cibernéticas e encontrei um texto que expressa de uma forma irritante os efeitos da irritação. Transcrevo-o em seguida para que o meu estimado leitor pense no que realmente o irrita. mas peço-lhe que pense também se é prioritária essa irritação ou se a pode guardar para depois de dar uma palavra amiga a alguém ou aproveitar a época para enviar as tradicionais (mas não aquelas óbvias!) mensagens de Natal. Não se irrite, não hoje pelo menos...além de todos os males que vêm descritos a seguir, vai querer ficar com essa culpa? 

Se fôssemos contabilizar as paixões desta vida, os ódios e os amores, os grandes sobressaltos, as comoções, os transtornos, os arrebatamentos e os arroubos, os momentos de terror e de esperança, os ataques de ansiedade e de ternura, a violência dos desejos, os acessos de saudade e as elevações religiosas e se as somássemos todas numa só sensação, não seria nada comparada com o peso bruto da irritação. Passamos mais tempo e gastamos mais coração a sermos irritados do que em qualquer outro estado de espírito. 
Apaixonamo-nos uma vez na vida, odiamos duas, sofremos três, mas somos irritados pelo menos vinte vezes por dia. Mais que o divórcio, mais que o despedimento, mais que ser traído por um amigo, a irritação é a principal causa de «stress» — e logo de mortalidade — da nossa existência. 
É a torneira que pinga e o colega que funga, a criança que bate com o garfinho no rebordo do prato, a empregada que se esquece sempre de comprar maionnaise, a namorada que não enche o tabuleiro de gelo, o namorado que se esquece de tapar a pasta dentrífica, a nossa própria incompetência ao tentar programar o vídeo, o homem que mete um conto de gasolina e pede para verificar a pressão dos pneus, a mania de pôr o pacotinho vazio de açúcar debaixo da chávena de café, a esferográfica de Mário Crespo... é por estas e por outras que as pessoas se suicidam. E têm toda a razão. 
É nos engarrafamentos, na bicha do supermercado ou do multibanco, no cinema atrás do cabeçudo que não nos deixa ver, no autocarro cheio de gente, que somos diariamente irritados. Há-de reparar-se que as pessoas que mais nos irritam são as que estão à nossa frente. São estas as pessoas que demoram, que levam horas a tirar o porta-moedas para pagar o táxi, que insistem em passar um cheque para comprar um quilo de cebolas e uma embalagem de Super-Pop, que se mexem na cadeira e desembrulham rebuçados durante a cena mais dramática do filme, que têm um tempo de reacção ao semáforo verde de aproximadamente 360 segundos, que pagam as contas da água, da luz e do telefone ao Multibanco, que se esquecem de tomar banho antes de usar um transporte público e depois insistem em esfregar-se contra quem tomou.
 
Miguel Esteves Cardoso in Ano Comum

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Sobre o amor incondicional.

Como todos os grandes amores na vida este nasceu antes mesmo de o conhecer.

O percurso que me levou a identificar com aquela que viria a ser durante 12 anos a minha casa/família foi breve. Mais difícil e demorado foi tomar a decisão de ter que o deixar.
Nasceram a 10 de dezembro. As moças juntaram-se e decidiram dar toque feminino à cultura académica que existia na Universidade do Algarve. Aventuraram-se a fazer diferente entre críticas e contratempos típicos de quem começa uma viagem. Aventuraram-se a dar outras opções às estudantes da universidade. A sua ousadia fez com que outras muitas estudantes ao longo destes anos tenham tido também a oportunidade de desfrutar do seu companheirismo, dos seus ensinamentos, das suas lições.
A sua ousadia fez com que eu hoje possa estar aqui a escrever este texto de comemoração de mais um aniversário com o coração cheio de orgulho por ter feito parte daquilo que, espero, seja uma etapa do longo caminho que a Tuna Académica Feminina da Universidade do Algarve - Feminis Ferventis ainda tem pela frente. 
Que venham mais anos de vida bem vivida junto dos que nos são queridos e que gostam de nós. Que venham mais anos de interconhecimento, de partilha de saberes e pontos de vista. Que venham mais anos de crescimento individual e de grupo. Que venham mais anos de entrega absoluta e de partilha incondicional.

Que continuem com essa característica tão nossa de saber receber e de fazer com que os outros se sintam bem na nossa companhia. Que continuem a trilhar o caminho, desafiando as vossas/nossas capacidades, querendo sempre ser melhor, querendo sempre o melhor. 
Que continuem a ter a humildade de querer aprender com os nossos pares, a respeitá-los e a partilhar com eles o que são. E são tantas as coisas que eles podem aprender connosco! Eu aprendi tanto!

Parabéns Feminis Ferventis, parabéns minhas queridas!



segunda-feira, 10 de junho de 2013

Os [Ines]quecíveis

No comentário anterior a este, de fevereiro, fiz referência a alguns dos adolescentes fantásticos que tenho conhecido. Há uns dias, em jeito de despedida, enviei um mail a outros 19 que há dois anos partilham a sala de aula comigo.

"Meus queridos,

Aquela nossa última aula foi tão estranha que quase não me lembro de ter acontecido. Penso que depois de trabalharmos ao longo de dois anos (ou um ano para o AP, JR e PL), de termos vivenciado e partilhado tantas experiências o mínimo que eu posso fazer, dadas as circunstâncias, é fazer-vos chegar através da escrita algumas considerações.
Obrigada!

É o que me apetece dizer 19 vezes seguidas! 

Como professora foi realmente um privilégio poder ter-vos na minha aula! Sinto-me muito feliz pelo trabalho que desenvolvemos ao longo destes dois anos! Sinto-me lisonjeada pelos vossos resultados, pelo empenho e trabalho que realizaram, pela evolução pessoal e académica que vi nestes dois anos. Parabéns, o mérito é vosso!

Vocês conseguiram dar-me a motivação necessária para eu nunca me acomodar, para trabalhar mais e planificar actividades diferentes. Para mim, uma relação pedagógica ideal é aquela que nós tivemos. Não duvidem de uma coisa: aquilo que se constrói na sala de aula entre alunos e professor/a é algo bilateral, ou seja, tem de envolver as duas partes para ter sucesso.


Sei que queriam ter visto mais filmes ou fazer uma viagem mas em relação à primeira, para a concretizarmos era necessário abdicar de outras atividades como o “Telediario” ou o “clase abierta a amigos” que tanto gostei/gostámos (digo eu!) de fazer! Em relação à segunda, eu também gostava muito de ter feito uma viagem convosco (se fizesse alguma teria que ser convosco!) mas garanto-vos, embora reconheça que possa parecer estranho, que o “sim” ou “não” em relação a uma eventual ida não dependeu de mim.


Mas eu não vos sinto apenas como alunos fantásticos (não falo apenas de testes ou notas mas sim de trabalho de aula, de empenho, de ser promotor de bom ambiente), sinto-vos como adolescentes com quem criei laços, com quem me preocupei, com quem me emocionei, sorri, partilhei situações pessoais, me surpreendi, me diverti, me chateei (este ano nem foram muitas vezes!). E é principalmente por isso que senti necessidade de vos escrever este e-mail. É por gostar de vocês, dos adolescentes que são, da vossa forma de estar e agir, dos vossos valores. Gosto sim, e muito! Gosto, tendo consciência dos vossos defeitos e das vossas qualidades, dos vossos dias bons e dos dias menos bons, dos dias divertidos e dos dias emocionados…

Espero também que tenham consciência do que são! Mesmo que não saibam exatamente o caminho que querem seguir, que saibam aquele que definitivamente não querem seguir. Sigam os vossos valores, aqueles que os vossos pais vos transmitem (não subestimem a experiência que os pais têm de educar!). São esses que a partir de uma determinada época da vossa vida vos vão definir, serão esses aqueles que dificilmente alterarão e que em algum momento da vossa vida farão a diferença.

Despeço-me neste já longo e-mail com um pedido: aqueles que assim o desejarem, não deixem de me dar noticias vossas! Gostava de continuar próxima e saber do vosso percurso, dos vossos sucessos e dos vossos fracassos.


Um beijo enorme a todos cheio de amizade e gratidão,
 

P.s.: Boa sorte para a próxima etapa que aí vem! Ânimo para o estudo e muita energia para conseguir pensar e escrever (nos exames) de uma forma clara!"
07/06/2013

 [...]

Vou sentir saudades deles, das suas peculiares características!

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Sobre o elogio aos heróis


Ao FF, PL e ND, para nunca deixem de ser heróis dentro mas principalmente fora das 4 linhas.
À JG pela companhia, discrição, generosidade e simpatia.
                Já aqui falei no meu gosto por desporto em geral e futebol em particular. Mais recentemente escrevi sobre a minha experiência como espetadora de futsal e consequente entusiasmo em relação à modalidade.
                Descrevi nesse texto a minha paixão futebolística, a minha incursão pelo mundo do desporto e o entusiasmo que a ida ao jogo de futsal tinha despertado em mim. Antes desses anos (com 13-17 anos) via a irmã mais velha da minha mãe, que na altura vivia connosco, a ouvir o relato e a tirar a ficha técnica (cartões vermelhos, amarelos, golos, faltas…) dos jogos do Sport Lisboa e Benfica, único clube pelo qual se sofria lá em casa (e único pelo qual ainda sofremos!).  Acho que lhe devo a ela o gosto em tenra idade por esse desporto e por aquela que, nesses tempos, eu diria que seria a minha profissão: jornalista desportiva. Não me lembro de querer ter sido aquelas profissões que normalmente as crianças tendem a querer ser. Advogada, ingressão na vida militar e jornalista desportiva encabeçavam as minhas preferências profissionais.
                Como vim a tornar-me professora isso fica para outro momento mas a verdade é que esta profissão tem-me dado a oportunidade, e o privilégio, de conhecer adolescentes extraordinários. Nunca dou muita importância aos comentários generalizados sobre os «adolescentes». No meu trabalho respeito-os, motivo-os, incentivo-os, exijo deles, chateio-me com eles, ensino-os, educo-os, rio-me com eles, partilho, entristeço-me e entusiasmo-me com as suas peculiares características.
                Por vezes, embora comigo não aconteça de uma forma frequente, podemos acompanhar as suas atividades extracurriculares e ver como atuam fora das quatro paredes da sala de aula: como se intimidam ou exteriorizam os seus sentimentos em relação a mim, como são responsáveis, esforçados (ainda mais!), cumpridores, dedicados e ambiciosos. Consigo de tal forma interiorizar esse contexto externo à minha profissão que muito depressa dou por mim a torcer por eles, a roer unhas e a soltar um sonoro “Gooooolooo” seguido de um aplauso. Dou por mim a sentir orgulho e a partilhá-lo também desta forma.
                A eles, aos heróis deste dia: obrigada por me convidarem para os vossos jogos sempre com enorme entusiasmo, por se sentarem perto de mim e me fazerem sentir “em casa”, a vocês desejo que continuem a brilhar tanto fora das 4 linhas como dentro delas.
                A outra estrelinha que hoje também esteve presente não joga futebol mas brilha muito e faz os outros brilharem! A ela agradeço a conversa descontraída, a sua simplicidade, amabilidade e espírito altruísta: uma futura (ainda mais do que já é!) grande mulher!

P.s: Espero que eles tenham paciência para ler este texto até ao fim!!

domingo, 27 de janeiro de 2013

Sobre o Amor!

Já me aconteceu por mais do que uma vez, e de certeza que ao leitor também, saber de um inicio de namoro e/ou casamento entre duas pessoas que, na minha genuína e objetiva apreciação, não faz sentido nenhum e que "Não têm nada a ver um com o outro", apressamo-nos a referir.  Lembramos, tocadas por uma ponta de ciúme com a felicidade alheia, que dessa forma "só se estraga uma casa".
Considerações empíricas à parte, a verdade é que há coisas que não conseguimos explicar. Estou a lembrar-me de alguns provérbios que transmitem essa ideia de que os que estão apaixonados encontram sempre todas as razões e mais uma para esse sentimento. Razões que não se prendem com o aspeto físico ou psicológico, relações pessoais ou profissionais. São essas razões, as que não se definem ou não se consegue explicar que são verdadeiramente Razões.
Aos verdadeiros apaixonados e aos que por todas as razões e mais uma se amam, segue este texto fantástico [mais um!] de Joaquim Pessoa:

"Amo-te Por Todas as Razões e Mais Uma
Por todas as razões e mais uma. Esta é a resposta que costumo dar-te quando me perguntas por que razão te amo. Porque nunca existe apenas uma razão para amar alguém. Porque não pode haver nem há só uma razão para te amar.
Amo-te porque me fascinas e porque me libertas e porque fazes sentir-me bem. E porque me surpreendes e porque me sufocas e porque enches a minha alma de mar e o meu espírito de sol e o meu corpo de fadiga. E porque me confundes e porque me enfureces e porque me iluminas e porque me deslumbras.
Amo-te porque quero amar-te e porque tenho necessidade de te amar e porque amar-te é uma aventura. Amo-te porque sim mas também porque não e, quem sabe, porque talvez. E por todas as razões que sei e pelas que não sei e por aquelas que nunca virei a conhecer. E porque te conheço e porque me conheço. E porque te adivinho. Estas são todas as razões.
Mas há mais uma: porque não pode existir outra como tu."

Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'

sábado, 26 de janeiro de 2013

Sobre a Paixão!

Não sei em relação aos outros professores mas há um determinado momento da aula/ano letivo em que a pergunta aparece por interesse e/ou curiosidade: "Sempre quis ser professora?", perguntam-me a cada ano que passa os meus alunos. Este ano ainda não me foi colocada mas hoje pensei nela porque esta pergunta, normalmente, desilude o meu curioso auditório.
Não, nunca quis verdadeiramente ser professora. Lembro-me também de brincar que era professora, mas não me lembro de o querer efetivamente ser. A únicas duas profissões que me recordo bastante bem de querer ter sido foram a de advogada e a de jornalista [desportiva].
Esta minha revelação acaba sempre por suscitar algum alvoroço nos meus alunos e quando lhes digo que sou adepta de um bom jogo de futebol e que inclusivamente sigo a atualidade futebolística e desportiva, não conseguem olhar-me sem uma expressão incrédula.
Desde os meus 14/15 anos que o Desporto é uma paixão. Desde a mesma altura comecei a comprar frequentemente o jornal A Bola, a reparar nas fichas técnicas dos jogos, a comprar livros com as regras de futebol e de outras modalidades. Gostava de desporto em geral e cheguei mesmo a praticar Basquetebol e Futebol no âmbito do programa Desporto Escolar. Quando fui para a Escola Secundária fui-me inserindo no grupo dos rapazes da turma e não havia uma única segunda-feira que não nos reuníssemos no intervalo grande para conversar sobre jogos da jornada ou outros assuntos desportivos. Acabei por me tornar secretária da equipa masculina da minha turma e não perdia um jogo do famoso inter-turmas. Na altura ambicionava ser como a Cecília Carmo, uma das primeiras mulheres a apresentar programas desportivos.
Os anos passaram e eu cresci e comigo cresceram novos  interesses: literariamente lembro-me de gostar de ler tudo e mais alguma coisa. devorava livros sobre questões mais espirituais como Paulo Coelho, Kahil Gibran, li imensos clássicos e adorava escrever: escrevia essencialmente histórias que aconteciam nas férias, escrevia cartas às minhas amigas com questões existenciais, escrevia muitas cartas!
Depois de estar algum tempo adormecida, esta minha paixão pelo futebol voltou a ganhar novos contornos há sensivelmente 4 anos. Confesso que de uma forma muito mais moderada do que anteriormente, mas não deixa de existir!
Hoje, a convite de uns alunos que sabem do meu gosto por futebol, fui ver pela primeira vez um jogo de futsal. Fiquei completamente fascinada pelo ritmo de jogo extenuante para o jogador, mas completamente contagiante para o espetador. Já há muito tempo que não via um espetáculo ao vivo e saí do pavilhão com vontade de regressar àquela época dos comentários à segunda-feira, às aulas de "temática livre" em que a modalidade escolhida era sempre a mesma: futebol... Fiquei tão entusiasmada quanto nostálgica.
 
Obrigada, obrigada, obrigada!
 
 
 
 

sábado, 19 de janeiro de 2013

Sobre o Caminho: Considerações Finais


As repercussões físicas e anímicas desta viagem ainda hoje se fazem notar. Fisicamente, estive um mês com dores musculares. Os meus pés e joelhos nunca mais foram os mesmos e embora continue a fazer as minhas caminhadas de fim de semana e a praticar desporto, "eles" chamam-me à atenção quando o esforço é demasiado.
Não é possível descrever o alcance desta viagem na minha vida. Meses mais tarde escrevi a uma amiga a contar algumas coisas e disse-lhe algo semelhante a isto: "Não vais acreditar mas fiz o Caminho de Santiago. Mais tarde conto-te os detalhes desta extraordinária viagem mas, por agora, digo-te que este Caminho que há meses deixei e que me parece ter sido ontem que entrei no Obradoiro, é a metáfora de uma vida." Uma vida, digo hoje, com lágrimas e obstáculos para ultrapassar, uma vida em que os amigos fazem realmente toda a diferença. Uma vida em que a adversidade da chuva miudinha pode levar-nos tanto ao desespero como fazer com que esta se  torne um motivo para caminhar mais depressa. O Caminho (ou será a vida?) faz-nos pensar com cautela, seguir em frente quando não há forma de voltar para trás. Mesmo quando a floresta se adensava sobre nós havia uma beleza nessa imensidão que nos fazia esquecer o medo e a incerteza. Depressa aparecia o riacho para nos refrescarmos ou um galego simpático que nos oferecia abrigo da chuva que gentilmente recusávamos porque não podíamos perder de vista o nosso objetivo, mesmo que nos apetecesse parar, mais hora menos hora, com mais ou menos chuva, teríamos que lá chegar.
O Caminho fez-me reencontrar com os meus verdadeiros valores através de uma lição de e para a vida.

Eu encontrei-me no Caminho e, sem poder voltar para trás, segui em frente. Dessa vez e em todas as outras.

Sobre o Caminho [v]


Dia 4.

Negreira - Santiago de Compostela.

26 km aproximadamente.

O dia estava envolto numa neblina e antes de nos fazemos ao Caminho fomos dar uma volta pela Vila. Era cedo e estava ainda tudo muito deserto. Não chovia o que me lembro de ter sido para nós uma motivação extra além da que tínhamos por ser este o dia que menos quilómetros nos reservava. Os meus pés estavam efetivamente bastante melhores do que na noite anterior: havia mazelas e o cansaço muscular era realmente enorme mas as feridas estavam tratadas e era momento de nos pormos ao caminho. O meu joelho, que já tinha acusado algum cansaço, nesse dia não deixou de me fazer recordar o quanto aquela aventura o estava a cansar.
Saímos cedo de Negreira e, não sei se por ser já o último dia, pareceu-me que a paisagem não era tão densa como nos dias anteriores. Havia mais "civilização" e menos vegetação à nossa volta. Pudemos ver durante quase todo o caminho, toda a paisagem, a variadíssima e riquíssima paisagem galega em tons verdes que nem o verão faz desaparecer. Lembro-me de me sentar sobre uma ponte, a Ponte de Maceira e de aí tirar uma fotografia que há muitos anos está guardada no computador que desastradamente deixou de funcionar.
Lembro-me que o sol brilhava e que os quilómetros aproximavam-nos com mais celeridade do nosso destino. Acho que estávamos com tanta vontade de chegar que tínhamos medo que esse momento acontecesse e deixássemos para trás todos aqueles sentimentos que estavam inerentes ao Caminho.
No Monte do Gozo vimos Santiago ao longe, com o sol a iluminar o cinzento das casas e a imponente Catedral. Foi para lá que nos dirigimos para realizar o ritual característico de todos os peregrinos que chegam a Santiago.
Quando chegámos não entrámos imediatamente mas antes sentámo-nos no chão, tendo ali à nossa frente aquele fantástico testemunho de fé. Não sei bem em que pensávamos mas talvez no enorme orgulho que sentíamos por termos ultrapassado as adversidades do Caminho e estarmos ali, no nosso destino, como 4 dias antes nos tínhamos proposto. Dissemos algumas palavras de circunstância, um abraço de fraternal cumplicidade, uma fotografia para a posteridade e entrámos na Catedral.
Depois de realizar todo o ritual sentei-me num dos bancos da frente, olhei para Ele e sorri. Agradeci-Lhe ter-me dado a oportunidade de ter feito este Caminho sem consequências físicas mais graves do que as que poderia ter tido. Agradeci a experiência que 6 meses antes tinha começado. Agradeci a companhia daqueles que eram a minha família e que sem saberem fizeram parte de uma das viagens mais importantes que realizei até à data.

Abraçámo-nos uma vez mais, despedimo-nos e seguimos em direção às nossas casas mergulhados em pensamentos, em recordações. Chegámos diferentes, não tenho dúvidas em afirmar que o Caminhos nos modificou. A nós e aos que connosco se relacionam todos os dias.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Sobre o Caminho [iv]



Dia 3
Olveiroa-Negreira
33 km. Aproximadamente
 
A minha decisão de fazer o Caminho de Santiago além de ter sido de uma enorme irresponsabilidade devido à falta de preparação física, prendeu-se com objetivos que inicialmente estavam um pouco afastados da Fé que, segundo indicações escritas na credencial que acompanha o peregrino, é o único motivo que deve mover este a realizá-lo.
Durante a minha estadia em Santiago ouvi muitas vezes outros alunos falarem do Caminho. Vi centenas de vezes a Praça do Obradoiro repleta deles que, com uma última réstia de força subiam, mais animados, as escadas da Catedral. Admirava-os e o seu espírito de abnegação emocionava-me.
Como disse antes, inicialmente o espírito de aventura cativara-me de uma forma avassaladora e aceitei, literalmente de um dia para o outro, fazê-la na companhia daqueles que tinham sido a minha família durante aqueles 6 meses.
No entanto, inevitavelmente o Caminho aproxima-nos d´Ele. E sentimos a Sua presença discreta. Perguntamos se nos está a ouvir. Pedimos que a chuva pare ou que tenhamos força anímica para seguir em frente. Demorei algum tempo a conseguir escrever isto mas esta é a verdade e esta vertente religiosa revelou-se-me no terceiro dia de Caminho.
Despedimo-nos do Martin, da Gosia e da Danuta e a tristeza desta despedida, por tudo o que tinha significado para nós o Caminho até à altura e todos os outros que até dias antes tínhamos feito em conjunto, deixou-nos mergulhados em pensamentos e recordações. Saímos sem a sua presença e sem vontade de falar.
Poucos quilómetros mais à frente, a chuva voltou a aparecer, a memória do dia anterior voltou e dei por mim a rezar o terço. Não sei exatamente se rezei bem, como deve ser rezado e acompanhado. Sei que me lembrei das noites em que a avó Encarnação me ensinava, a mim e aos meus primos, e tentei reproduzir alguns desses ensinamentos. Rezava para a chuva parar. Sempre que ela nos dava tréguas em sorria e cheia de alento agradecia-Lhe.
Numa das ocasiões em que já estávamos a caminhar há uma hora debaixo de chuva parámos num pequeno (mesmo pequeno) café. Estava exausta e queria desistir. Disse-o aos meus companheiros mas os seus olhares ficaram em silêncio. Dirigi-me à empregada de balcão e perguntei-lhe a que horas passava o próximo autocarro para Santiago. Disse-me num tom desanimado de galego quase puro: "O único que existe saiu há 15 minutos." Sorri, considerando a ironia. Olhei para eles, pus a minha mochila às costas e segui viagem. Entendi, naquele momento, que só havia um sitio para ir, um caminho a seguir, uma decisão a tomar. Desta forma, pusemo-nos ao Caminho.
Chegámos a Negreira debaixo de chuva intensa. A mesma chuva que horas antes tinha começado a cair e que depois de tanto tempo batendo no meu corpo, ensopando-me fez-me, por momentos, alucinar. Durante uma etapa em que a floresta nos envolvia, virei-me para ver de onde vinha o barulho que tinha ouvido e "vi" um enorme cão com dentes afiados vir na minha direção. Estava a alucinar. Acredito que os leitores mais céticos tenham alguma dificuldade em acreditar, mas foi isto que eu vi. Lembro-me bem porque foi muito real, mesmo não tendo sido verdadeiramente real.
Em Negreira o albergue também estava cheio mas acomodámo-nos na sala/receção. Tomámos um bom duche e conseguimos sair para comprar algo para jantar. A média de idades dos peregrinos que ali estavam rondava os 40 anos. De certeza que nós, com os nossos 20/25 anos fizemos com que ela baixasse. Conhecemos pessoas de todo o mundo, peregrinos que estavam no seu 1000º quilómetro. Histórias de vida de empenho, entusiasmo e preserverância. Vidas que são autênticos Caminhos. Uma das histórias que ouvi e que normalmente conto aos meus alunos está relacionada com um australiano que há anos que andava a percorrer Caminhos por todos os continentes. Vinha sozinho e eu perguntei-lhe porquê. Ele disse-nos que meses antes tinha convidado alguns dos seus melhores amigos a juntarem-se a esta sua aventura. Na altura, referiu, uns 10 disseram logo que sim. Meses mais tarde, voltou a questioná-los sobre a sua disponibilidade e apenas uns 5/6 mostraram interesse, embora com alguma relutância porque não tinham preparação, tinham que programar as coisas com tempo e outras desculpas. Um mês antes os seus amigos tinham desistido de fazer a viagem, argumentando da melhor forma que podiam. E ele veio sozinho porque, como nos disse, se tivesse à espera de companhia não tinha saído da Austrália, não estaria no seu 1000º quilómetro e não teria tido a oportunidade de nos contar esta história. Invejei a força de vontade e ainda hoje recorro ao seu exemplo em diversos âmbitos da minha vida pessoal e profissional.
Nessa noite também conheci um homem que viria a ser determinante para o meu objetivo de terminar o Caminho. Não sei o seu nome, penso que não estabelecemos um diálogo de circunstância. Chegou-se perto de mim e perguntou-me, em espanhol, se eu estava bem. Disse-lhe que sim, embora tivesse algumas dores e bolhas nos pés, estava bem! Escondia os pés porque os tinha negros: as meias pretas, debaixo de chuva...já se sabe. Perguntou-me se os podia ver e eu, muito envergonhada, mostrei-lhos. "Precisa de ser tratada", disse-me, "Bem...isto se realmente quiser terminar o Caminho". Disse-lhe que não valia a pena porque no dia seguinte estaria em Santiago. Olhou para mim e disse-me com ar sério "se quiser chegar a Santiago tem de deixar que eu a ajude. Posso?" Com um sorriso, disse-lhe que sim. Tratou das minhas bolhas e deu-me um creme para massajar os pés. Pediu à vigilante para me colocar no quarto reservado às pessoas com deficiência motora mas eu recusei perentoriamente: não me ia afastar da animação típica dos albergues e da confraternização e não me ia deitar confortavelmente enquanto os meus companheiros estavam a dormir no chão. Ele era médico, disse-me depois, e talvez tenha sido também por sua causa que consegui chegar a Santiago no dia seguinte. Talvez...
Dormi com um conforto que até aí não tinha sentido: um conforto emocional e espiritual também. Dormi profundamente.
 
 

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Sobre o Caminho [iii]

 
Dia 2.

Finisterra-Oliveiroa

31 km aproximadamente

 
O dia seguinte amanheceu com sol na bonita cidade de Finisterra. O burburinho típico dos que se levantam ainda de madrugada para seguir o seu caminho fez com que a noite tenha sido mais curta do que precisávamos. Dormimos nos nossos sacos-cama num hall perto dos outros quartos mas pareceu-nos um luxo, considerando a possibilidade de dormir ao relento. As noites na Galiza, mesmo em junho, eram frias.
Partimos em direção à praia e tivemos ainda tempo de tirar algumas fotos em grupo. Percebi mais tarde que o tempo usado para estas pequenas pausas tería sido útil noutro momento do Caminho. Percebo agora, volvidos 8 anos, que esse momento na praia foi o último de sentida descontração e genuína diversão em grupo.
O Caminho continuava à nossa frente e durante ainda alguns quilómetros pudemos ver o mar à nossa esquerda. Uma paisagem maravilhosa difícil de descrever por palavras: o azul do mar estendia-se pelo horizonte até não ter fim.
Antes de entrarmos pelas montanhas com destino a Oliveiroa, parámos em Cee para descansar e recuperar energias. Gentilmente alguns farmacêuticos, vendo o nosso estado de cansaço, ofereceram-nos pomadas para as tendinites e barras energéticas. Recomendaram-nos que ingeríssemos calorias, nomeadamente chocolate. Neste momento houve algum desconforto no grupo porque o Martin sugeriu desistir do Caminho. Estava cheio de dores e pensou seriamente em fazê-lo. Com algum entusiasmo e espírito de equipa tentámos demovê-lo dessa ideia e conseguimos, embora não por muitos mais quilómetros.
Tento descrever o que se passou a seguir e, ao mesmo tempo, esforçar-me para não me tornar repetitiva mas não é tarefa fácil. A partir de Cee a situação piorou: as dores acentuaram-se e os ânimos foram ficando resfriados, consequências de uma falta de preparação evidente para um percurso tão longo e intensivo como aquele que nos propusemos fazer.
Já em plena montanha, entendemos que não eram só os nossos ânimos que estavam resfriados, também o tempo começou a mudar e a ficar escuro e frio. Não tardámos a perceber que uma das situações mais caricaturada em postais, canecas e outros "recuerdos" galegos era realmente verdade, mesmo na época estival em que nos encontrávamos: o homem de gabardine numa tempestade hiperbolizada.
Faltavam aproximadamente 15 quilómetros para o nosso destino quando começou a chover torrencialmente. A chuva aparecera e nós não estávamos preparados para a sua visita. Aliás, ainda nesse dia estava a curar um escaldão de que fui alvo no dia anterior. Escusado será dizer que, se as dores eram muitas, nessa altura a nossa preocupação voltou-se para a situação de  estarmos sem qualquer tipo de proteção. Durante horas a chuva não teve piedade de nós e, algo que nos preocupava mais, o dia estava a fazer-se escuro. Também nessa altura, apercebemo-nos de que há alguns quilómetros que não víamos a concha (Vieira) que dava as indicações para o Caminho certo. Andávamos por entre a montanha com o sentimento de estar à deriva.
O poder da chuva é extraordinariamente demolidor. Não falo naquela chuva miudinha e durante um curto espaço de tempo que invade os cenários das comédias românticas. Falo daquela grossa e que durante horas, sem impermeável ou chapéu que nos valha, cai incessantemente sobre o corpo cansado e acelera a exaustão da mente. Dessa chuva, essa que mói e que tortura. Dessa não sinto saudades.

O estado de espírito geral não era animador mas nunca, em 32 anos de vida, senti tanto estímulo, carinho e amizade como naquele momento em que, sem força anímica, me deixei para o final da fila. Era no final da fila, longe dos olhares, que maldizíamos o fato de não encontrarmos a Vieira, o termos demorado mais tempo nas fotos, o não termos pensado nos impermeáveis ou nos chapéus-de-chuva. Era no final da fila que chorávamos. Eu chorei para logo a seguir sentir ao meu lado a Yustyna e a Danuta que me puseram a aprender os números em polaco: "jeden" dizia ela e eu com o meu polaco macarrónico, tentando imitá-la, repetia. A minha tentativa arrancou dos caminhantes cabisbaixos uma gargalhada geral. Ela continuou: “dwa” e eu também, bem como os sorrisos complacentes com a minha falta de aptidão para o polaco. Sorrisos cansados e calorosos.
Alguns minutos depois encontrámos a Vieira e seguimos mais motivados para o Albergue de Oliveiroa.
Quando lá chegámos, os beliches estavam cheios mas outros peregrinos, devidamente preparados ofereceram-nos as suas camas. Eles não souberam mas estou-lhes eternamente grata. A responsável pelo albergue fez-nos sopa quente ue comemos com uma enorme satisfação. Falámos um pouco sobre o dia seguinte e a possibilidade de alguns do grupo abandonarem o caminho e regressarem de autocarro a Santiago. Queríamos deixar essa decisão para o dia seguinte. O cansaço apoderou-se de nós e depois dos habituais estímulos e e palavras amigas, deitámo-nos. Neste momento não me consigo lembrar se tinha dores, mas lembro-me que psicologicamente me sentia profundamente cansada. Lembro-me de ter agradecido o estar ali.