sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Outra vez Sobre o Regresso

Nesta altura do ano a rotina é sempre mais ou menos a mesma: conhece-se uma escola nova, colegas novos, novos alunos e expetativas renovadas. Depressa a(s) experiência(s) menos agradáveis do ano anterior (se as houve) ficam para segundo plano e o regresso não é assombrado pela quantidade inacreditável de trabalho que não tardará muito a aparecer nos cacifos de quem, segundo a generalidade da opinião pública, "ganha bem, tem demasiadas regalias e não trabalha".
Para mim, o início do ano letivo é sempre uma lufada de ar fresco. Este está para o professor como o final/início do ano para os restantes cidadãos: planos reformulados, projetos equacionados, percursos mais ou menos definidos...
Ontem regressei à azáfama das aulas, como aliás, a grande maioria das escolas no país, mas a adrenalina de chegar a um lugar "novo" e o nervoso miudinho de conhecer aqueles com quem trabalharei ao longo de alguns meses, esse nervoso miudinho que qualquer ator mais experiente diz continuar a ter mesmo após os anos de trabalho, esse nervoso miudinho de quem enfrenta o desconhecido, de quem quer que se trabalhe bem e que seja um bom ano... esse existe sempre. 
Não sei se estou a dizer alguma asneira, e o leitor que já me conhece talvez saiba melhor do que ninguém que essa é uma possibilidade, mas penso que é positivo que ele (o nervoso miudinho) exista. Penso que será uma forma de respeitarmos as pessoas com quem vamos trabalhar. 

Não obstante as mudanças que na primeira quinzena de setembro ocorreram na minha vida estou realmente otimista em relação ao que virá! Será, de certeza, mais uma experiência pessoal e profissionalmente enriquecedora.


"A educação é a arma mais poderosa que se pode usar para mudar o mundo."

Nelson Mandela


domingo, 11 de setembro de 2011

Sobre a Salvação de Wang-Fô

Estes meses de Verão têm sido bastante frutíferos no que a leituras diz respeito. Felizmente, por entusiasmo sem limites, por excesso de tempo livre ou por saudades do ato de ler por prazer, as leituras dos últimos meses têm-me levado por caminhos tortuosos até a um misterioso Mosteiro no século XIV, a Trás-os-Montes e uma história de amor em pleno Estado Novo, até Einstein e à Fórmula de Deus ou, mais recentemente, a personagens e lugares misteriosos cheios de misticismo típico dos contos Orientais. Hoje apetece-me falar deste último A Salvação de Wang-Fô e outros contos Orientais da escritora belga Marguerite Yourcenar. O pequeno livro de contos, compilação da editora Biis, com um preço simpático foi a minha companhia durante a viagem de Lisboa-Faro na passada sexta-feira.
Este pequeno livro esconde personagens míticas de lentas e historias orientais de todos os tempos e foi muito fácil envolver-me nas suas motivações e ensinamentos constantes.
A Salvação de Wang-Fô, ou a Fuga de Wang-Fô, é o primeiro texto que aparece na referida compilação.
Nele, Wang-Fô é um velho e famoso pintor que, sem encontrar raízes no lugar onde vive, decide partir na companhia de um aprendiz de pintor, Ling. Wang-Fô é um apaixonado pela arte e pela pintura que troca para ter o que comer e onde dormir. Um dia, num dos lugares onde haviam pernoitado durante a sua viagem, foram capturados e levados à presença do imperador. Este condena Wang-Fô e Ling à morte e explica as suas motivações. É então que o poderoso imperador revela que em desde q nasceu foi encerrado num quarto e, desta forma, privado do contato humano. O que lhe fazia companhia, a sua realidade e a sua janela para o mundo era uma coleção de quadros pintados por Wang-Fô com paisagens fantásticas que o seu pai tinha adquirido. O imperador crescera e havia viajado por todo o mundo e conhecido muitas cidades e visto muitas paisagens e nesse momento sentira-se injuriado uma vez que as paisagens que sempre conhecera na sua infância, as pintadas por Wang-Fô, eram infinitamente mais belas e deslumbrantes do que as reais. O irado imperador culpabilizava o velho pintor por este o ter iludido. Sentia-se enganado e por esse motivo Wang-Fô devia morrer. Este, no entanto, tinha um último pedido ao pintor: que terminasse de pintar um quadro seu que não tinha sido terminado. Devia terminá-lo e posteriormente ser-lhe-iam cortadas as mãos e entregar-se-ia à morte.
Wang-Fô assentiu e começou a pintar o seu quadro mas, enquanto o ia pintando o quadro ia ganhando vida e lá apareceu Ling, o seu companheiro de aventura, dizendo-lhe que não se preocupasse que tudo correria bem. O desenho à medida que ia sendo pintado foi-se tornando vida: um rio e um barco. O mesmo rio e o mesmo barco que o levaram, a ele Wang-Fô e a Ling, para longe daquele lugar e de uma sentença de morte.
O texto tem um final misterioso e mágico onde a pintura se funde com o pintor e se torna a sua própria fuga e, portanto salvação da morte. 
Este texto fez-me recordar, em termos muito gerais, um dos meus livros preferidos O Retrato de Dorian Grey de Oscar Wilde em que no final, ao cortar o seu retrato, um retrato que ganhando vida ia envelhecendo, corta-se a ele próprio que acaba por sucumbir. Também recordo aqui alguma alusão, algo dissimulada e com nuances distintas, à metáfora da Alegoria da Caverna de Platão numa referência à (s)realidade(s) ilusórias.

Penso que o segredo é este: se amamos o que fazemos, se acreditamos no que construímos e no que nos rodeia, se confiamos na nossa realidade então não vale a pena pintar realidades diferentes, embora saibamos que elas existam, não vale a pena. Pelo contrário, deixemos que essa [nossa] realidade nos salve, deixemos que ela seja um barco e que esse barco nos guie.

Sobre a essência de ser Português

Há uns dias regressei de mais uma estadia na capital. Na Baixa-Chiado encontrei Fernando Pessoa que cumprimenta generosamente os que por aí chegam à cidade. É sempre inspirador começar o passeio na sua companhia e eu por muitas vezes que lá possa ir não me canso de o admirar. Daí até ao miradouro do Adamastor não demorou muito tempo e a paisagem, não sendo novidade, continua a deslumbrar. Regresso às ruas de uma cidade apressada, de buzinas e azáfama cosmopolita e desemboco na afamada Praça da Alegria e, sem me dar conta, estou na Avenida da Liberdade onde em Junho, em comemoração do Santo Padroeiro, desfilam as marchas dos bairros que compõem o ADN desta Lisboa.
Dos Restauradores ao Rossio, sem parar, percorro outras ruas que me levam até à heterogeneidade patente em cada rosto dos que cruzam o Martim Moniz e alguns passos depois, sem saber exatamente como, estou no Miradouro de Santa Luzia e no Museu do Teatro Romano. Na Graça, outro ponto essencial deste passeio: o miradouro sobre a cidade, o Castelo, o Tejo, a Ponte 25 de Abril, as Ruínas da Igreja do Carmo e tantos outros pontos de interesse. Altura ideal para colocar algumas coisas no papel e refrescar-me com uma garrafa de agua.
Alfama, ainda engalanada com as cores dos Santos Populares, abria-se no horizonte com o labirinto de compridas e estreitas ruas. Em Alfama sente-se o batimento cardíaco da cidade, das suas gentes castiças, do bairrismo, do tradicional, das escadarias intermináveis a uma hora em que o calor se fazia sentir de uma forma intensa. Assim como rio que desemboca no mar fui encontrar, depois de descer umas quantas escadas, uma praça na qual estava situado um dos pontos que queria visitar desta vez: Museu do Fado.
Peço desculpa ao paciente leitor que deverá estar a questionar-se sobre a pertinência do tema tendo em conta o que até aqui foi escrito. Na realidade, caro leitor, a pertinência revelar-se-á nas linhas que se seguem.
O Museu do Fado. As letras negras num fundo verde faziam-no anunciar e eu deslizei para o seu interior sob una hipnose (não sei se pelo calor, pela excitação ou por ambos!) e nesse momento  revi o sentimento que  experimentei em lugares como o Panteão Nacional ou em situações como cantar o Hino Nacional ou ouvi-lo entoar por um grupo numa praça cheia de gente numa cidade estrangeira depois de estar 6 meses longe da Pátria. Nesse momento senti  que estava a revelar-se-me o que somos, a nossa história, aquilo que geração após geração herdamos dos nossos antepassados, não dos antepassados individuais mas dos antepassados coletivos que fazem com que sejamos o que somos hoje.
A visita ao Museu do Fado durou o tempo necessário para ser inesquecível, para me proporcionar momentos de nostalgia, para aprender, para me emocionar, para me orgulhar e para querer voltar.

O ser português é assim: sério, genuíno, apaixonado, comovido, arrebatador, bom garfo, sorriso nos lábios e algo resignado. Ser português é algo que se sente, é ser-se gente!