quarta-feira, 7 de maio de 2014

Sobre a Amizade

Todos os momentos são bons para homenagear os amigos. É realmente difícil estabelecer uma rede de amigos estável e que estejam ao nosso lado "independentemente de". Não tenho muitos amigos mas creio que os tenho em número suficiente para saber reconhecê-los.
O texto que aparece a seguir é da autoria de Miguel Esteves Cardoso e tem o título de "Os Amigos Nunca são para as ocasiões."

 Obrigada aos meus amigos, mesmo para aqueles com quem não estou frequentemente ou aos que magoo.

Os amigos nunca são para as ocasiões. São para sempre. A ideia utilitária da amizade, como entreajuda, pronto-socorro mútuo, troca de favores, depósito de confiança, sociedade de desabafos, mete nojo. A amizade é puro prazer. Não se pode contaminar com favores e ajudas, leia-se dívidas. Pede-se, dá-se, recebe-se, esquece-se e não se fala mais nisso.

A decadência da amizade entre nós deve-se à instrumentalização que tem vindo a sofrer. Transformou-se numa espécie de maçonaria, uma central de cunhas, palavrinhas, cumplicidades e compadrios. É por isso que as amizades se fazem e desfazem como se fossem laços políticos ou comerciais. Se alguém «falta» ou «não corresponde», se não cumpre as obrigações contratuais, é logo condenado como «mau» amigo e sumariamente proscrito. Está tudo doido. Só uma miséria destas obriga a dizer o óbvio: os amigos são as pessoas de que nós gostamos e com quem estamos de vez em quando. Podemos nem sequer darmo-nos muito, ou bem, com elas. Ou gostar mais delas do que elas de nós. Não interessa. A amizade é um gosto egoísta, ou inevitabilidade, o caminho de um coração em roda-livre.

Os amigos têm de ser inúteis. Isto é, bastarem só por existir e, maravilhosamente, sobrarem-nos na alma só por quem e como são. O porquê, o onde e o quando não interessam. A amizade não tem ponto de partida, nem percurso, nem objectivo. É impossível lembrarmo-nos de como é que nos tornámos amigos de alguém ou pensarmos no futuro que vamos ter.
A glória da amizade é ser apenas presente. É por isso que dura para sempre; porque não contém expectativas nem planos nem ansiedade.


Miguel Esteves Cardoso, in 'Explicações de Português'

domingo, 4 de maio de 2014

Carta de [des]amor

Breve carta a um futuro ex.

                Amor,
                Se algum dia o meu olhar e a forma como te cativo e envolvo te fizerem sentir como se não houvesse outra além de mim, esse sentimento não passará uma doce ilusão. .
                A vontade de te fazer sentir especial, de te surpreender, de me entregar a ti incondicionalmente dará lugar, mais tarde ou mais cedo, a um comodismo e inércia, a uma insatisfação premente, a uma alienação do que te diz respeito.
                Com mais ou menos evidência não tardarás a considerar-me uma fraude: porque perdi a energia que te transmitia e em tempos te fascinou; porque já não te faço rir e já não rio; porque deixei de ter respostas para as tuas perguntas; porque já não faço perguntas.
                Um dia, mais tarde ou mais cedo, perceberás que não estou à altura, que mereces melhor, que precisas de mais.
                E eu vou dizer-te que te avisei.


                E avisei.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Sobre Criar Laços

Há uns anos, quando me sentia incapaz de "criar laços", apareceu uma borboleta extraordinária na minha vida que me mostrou que sou capaz de o fazer. Num desses momentos escrevi o texto que aparece a seguir que lhe é originalmente dedicado. Passados 4 anos partilho-o aqui com o objetivo de fazer um elogio à [sua] amizade. Nestes 4 anos tenho conhecido pessoas extraordinárias com quem criei e estreitei laços e que me tornaram uma pessoa melhor, mais consciente e tolerante. É também a elas que vai dedicado este texto. 
Deixo apenas um alerta: o texto não pretende ser Literatura. O texto é a expressão de um sentimento e apenas isso, a verosimilhança no que diz respeito às questões biológicas/físicas não foram uma preocupação.


A Pantera e a Borboleta.

Para a Borboleta,
Não há um único dia que deseje que te vás embora do meu ombro.

Era uma vez uma pantera que, ao contrário das outras panteras da sua espécie, era cor-de-rosa. A pantera não gostava de se sentir diferente dos seus pares e isso fazia com que algumas vezes se afastasse deles e se tornasse menos tolerante à sua presença. Ela só queria, pensava frequentemente, ser igual aos outros.

Um dia, enquanto passeava num jardim de amendoeiras em flor escondida de todos e perdida nos seus pensamentos, encontrou uma borboleta pequenina que, acreditou naquele momento, era a mais bonita de todas as borboletas que vira até ao momento. A borboleta era colorida e as suas asas eram pequeninas e sensíveis mas muito definidas. Era uma daquelas borboletas que vem com a primavera e que aquece o coração gelado do frio do inverno.

A borboleta pousou no ombro da pantera e seguiram algum tempo assim. No entanto, como a pantera não estava habituada a que gostassem da sua companhia, ficou incomodada e disse-lhe:
- Tu és uma borboleta tão bonita e colorida devias estar estar junto das flores que nesta altura do ano anseiam pela tua presença. Eu sou só uma pantera cor-de-rosa não posso dar-te aquilo que as borboletas precisam.
A borboleta, olhando-a delicadamente, desse-lhe com uma voz doce como quem canta uma suave e doce melodia:
- Isso é o que se espera que as borboletas façam. As flores são lindíssimas e tornam qualquer jardim fantástico e agradável aos olhos de todos mas nesta altura do ano são demasiado presunçosas e dificilmente se consegue estar perto delas. Eu prefiro estar aqui e caminhar a teu lado.
Não disse nada. Apesar de incomodada com a situação de proximidade, algo que havia tempo que ninguém tentava, a pantera pensou que seria inútil tentar explicar à borboleta o seu incómodo porque esta parecia irredutível e decidida a acompanhá-la.
Passado algum temo, a borboleta perguntou:
- Eu afastei-me das flores porque nesta altura do ano são convencidas mas sei que regressarei porque sou uma borboleta e gosto da sua companhia e do seu perfume, porque elas me alimentam. Mas tu, pantera, tu caminhas sozinha. Porquê?
A pantera considerou que a pergunta da borboleta era desapropriada e inconveniente mas sentiu nesse momento um estranho conforto. Pensou para si própria que havia muito tempo que ninguém queria saber como se sentia. Na verdade, pensou novamente a pantera, talvez tenha sido ela que não tenha dado oportunidade que outros o fizessem.
A pantera esperou algum tempo e disse:

- Sou cor-de-rosa. Já alguma vez viste uma pantera cor-de-rosa?
- Não, nunca tinha visto, retorquiu a borboleta não parecendo muito interessada nesse pormenor.
A pantera voltou a dizer-lhe:
- Por isso caminho sozinha, porque não sou negra nem feroz como as outras panteras.
A borboleta algo confusa afirmou:
- Mas o que me dizes não faz sentido nenhum. Não és negra mas és cor-de-rosa, como as bochechas dos bebés ou, em certas ocasiões, o pôr-do-sol. Não és feroz mas és da cor do algodão doce. Eu gosto tanto de algodão doce!! Isso...recordas-me o algodão doce!
A borboleta voava agora diante da pantera que parecia não lhe prestar atenção. Não sabia exatamente o que dizer, nunca tinha visto as coisas por essa perspetiva. Talvez o ser diferente não seja algo tão negativo como ela própria tinha pensado.
A borboleta, que ainda não tinha terminado o seu raciocínio, disse:
- Olha para mim, eu sou assim como vês pequenina e imperfeita mas já fui igual a milhares de lagartas. Quando crescemos, nós as borboletas, tornamo-nos também únicas e diferentes de todas as outras.

Olhou para a pequena borboleta, para as suas cores e movimentos. As suas asas quase imperfeitas davam-lhe um desenho único. Pensou também que as borboletas sentiam o mesmo que ela. Nunca tinha visto duas borboletas iguais.Todas eram diferentes com as suas cores e asas imperfeitas.Sentiu-se aliviada e feliz por conhecer um ser tão pequenino e excecional como o que acabara de conhecer.

Disse depois:
- Sabes, fazes-me lembrar um arco-íris. Tu és como o arco-íris: és colorida e tornaste colorido o meu dia e o meu caminho.
Caminharam em silêncio e a borboleta tornou a pousar no ombro da pantera. Nenhuma das duas se cansava daquele silêncio, nenhuma das suas sabia para onde se dirigiam mas sabiam que queriam ficar juntas. Sentiam-se bem assim e isso, para a pantera e para a borboleta era a única coisa que interessava. 
Isso bastava-lhes a si e à sua felicidade.


quarta-feira, 19 de março de 2014

Considerações mais ou menos supérfluas sobre o Belo

Em conversa com uma recente amiga (ou alguém que para aí caminha) falávamos da questão de nos deixarmos enredar e deslumbrar pela singeleza do que é (ou nos parece) esteticamente Belo. Recordei que por vezes acontece-me ter esse sentimento em pequenas coisas no meu dia: uma paisagem ou um lugar; uma determinada situação ou uma música. É realmente uma sensação fantástica de felicidade (?!?!?) e de comunhão. Uma consciência de pertença extraordinária. Esta minha afirmação é corroborada pelas palavras de Cleide Rita Silvério que, parafraseando Edgar Morin, refere que “a estética está presente em vários gestos e ações cotidianas que provocam encantamento, não se restringindo às obras de arte. Assim, os símbolos, o lado poético e o sentir estético podem ser vivenciados por vários caminhos.”
Talvez estas palavras não façam qualquer sentido para o leitor que está acostumado a ver-me ser mais concreta mas peço-lhe que me dê o desconto por estar há semanas sem ter uma noite de sono produtiva e hoje… hoje é sobre isto mesmo que me apetece escrever.
Por considerar francamente belo o esforço e dedicação que colocamos em cada dia da nossa vida; por considerar que em cada dia nos atarefamos, cada um à sua maneira, por fazer mais e melhor; por desejar que cada dia seja mais um para me superar; afastar os medos e arriscar e, em última análise, estar consciente de uma mudança premente que me leve em busca de “Ítaca”, partilho hoje um poema de Konstantinos Kaváfis, poeta grego nascido em Alexandria a 29 de abril de 1863.  É um poema sobre uma viagem que todos nós em algum momento faremos ou já fizemos na procura do nosso verdadeiro sentido de existência. A sua extensão apenas realça a sua grandiosidade. 

“Se partires um dia rumo a Ítaca, 
faz votos de que o caminho seja longo, 
repleto de aventuras, repleto de saber. 
Nem Lestrigões nem os Ciclopes 
nem o colérico Posídon te intimidem; 
eles no teu caminho jamais encontrarás 
se altivo for teu pensamento, se sutil 
emoção teu corpo e teu espírito tocar. 
Nem Lestrigões nem os Ciclopes, 
nem o bravio Posídon hás de ver, 
se tu mesmo não os levares dentro da alma, 
se tua alma não os puser diante de ti. 
 Faz votos de que o caminho seja longo. 
Numerosas serão as manhãs de verão 
nas quais, com que prazer, com que alegria, 
tu hás de entrar pela primeira vez porto 
para correr as lojas dos fenícios 
e belas mercancias adquirir: 
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos, 
e perfumes sensuais de toda espécie, 
quanto houver de aromas deleitosos. 
A muitas cidades do Egito peregrina 
para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo Ítaca na mente. 
Estás predestinado a ali chegar 
Mas não apresses a viagem nunca. 
Melhor muitos anos levares de jornada 
e fundares na ilha velho enfim, 
rico de quanto ganhaste no caminho, 
sem esperar riquezas que Ítaca te desse. 
Uma bela viagem deu-te Ítaca. 
Sem ela não te ponhas a caminho. 
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te. 
 Ítaca não te iludiu, se a achas pobre. 
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência, 
E agora sabes o que significam

 (Kaváfis, 2006, p. 146-147)

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Sobre o Desafio de Ser Diferente

Quando preparo uma aula há inúmeros aspetos em que penso: o que é primordial que aprendam (comunicativa, lexical e lingusticamente); que competências vou desenvolver; como vou desenvolver as aulas para lecionar determinados conteúdos; como é que os meus alunos vão reagir (se vão gostar ou não); como vou promover a expressão oral em língua estrangeira (uma preocupação essencialmente para os alunos do primeiro ano de língua) e também equaciono as minhas (re)ações.
Numa das minhas aulas de 7º ano o tema a desenvolver era a "Descrição Física", como sempre faço quando começo algum conteúdo lexical que é propício ao debate/expressão oral, coloquei algumas frases sobre "Beleza" e outras frases (dar a opinião/mostrar acordo e desacordo) que ajudariam os meus alunos a expressarem-se oralmente em língua estrangeira. 
Questionei-os sobre a real importância da beleza; dos critérios para se ser belo ou não o ser; sobre os parâmetros de beleza atuais e a questão da beleza-os-outros-e-as-suas-opiniões. Foi um início de aula bastante tranquilo com expressão oral q.b e com a participação de todos. 
A propósito da diferença (em contexto de beleza!) falei-lhes naturalmente e de uma forma totalmente espontânea de uma situação que a turma vive. Fi-lo através de analogias e comparações mais ou menos diretas. Eu penso que a mensagem chegou e anseio que a "semente" tenha sido plantada em alguns deles. Quase todos ficaram a pensar nisso e pelo menos 3 ignoraram-na completamente. O desafio agora é regar a semente com paciência, entusiasmo e dedicação. Talvez possa tornar-se numa árvore frondosa e vigorosa. Não é fácil ser diferente numa sociedade que formata adolescentes (e adultos!) de acordo com determinadas (e muitas vezes erradas) regras e preceitos sociais. Não é fácil ser diferente e mesmo assim ser "fixe". Não é fácil ser diferente quando é suposto ser igual aos outros, fazer o que os outros fazem, pensar como os outros pensam. Não é fácil ser diferente mas talvez se possa entusiasmar e motivar os adolescentes a, pelo menos, fazerem a diferença em situações diária de convivência.
A mensagem transmitida nesse dia foi muito próxima da de Agostinho Silva que agora partilho. Encontrei-a a semana passada quando procurava poemas para comemorar o dia de São Valentim lá na escola.

Ser Diferente

A única salvação do que é diferente é ser diferente até o fim, com todo o valor, todo o vigor e toda a rija impassibilidade; tomar as atitudes que ninguém toma e usar os meios de que ninguém usa; não ceder a pressões, nem aos afagos, nem às ternuras, nem aos rancores; ser ele; não quebrar as leis eternas, as não-escritas, ante a lei passageira ou os caprichos do momento; no fim de todas as batalhas — batalhas para os outros, não para ele, que as percebe — há de provocar o respeito e dominar as lembranças; teve a coragem de ser cão entre as ovelhas; nunca baliu; e elas um dia hão de reconhecer que foi ele o mais forte e as soube em qualquer tempo defender dos ataques dos lobos. 


Agostinho da Silva, in 'Diário de Alcestes'

Na quarta-feira passada dinamizei mais uma atividade a pares e no final da aula uma aluna aproximou-se de mim e disse-me em sussurro: "A professora fez esta atividade hoje para realçar a mensagem da última aula não foi?" Eu não disse nada, ela sorria e senti que esperava uma resposta. Pisquei-lhe o olho e disse-lhe "Tu és perspicaz M.!" Ela não sabe mas fez a diferença no meu dia! 
Obrigada M. é também por ti que vale a pena!

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Sobre o super-competente-professor-de-recreio

Não sei se já tive oportunidade de dizer isto aqui desta forma tão clara e transparente: sou profissionalmente extremamente realizada. Não obstante todas as maleitas características da profissão, dos momentos mais inglórios e desprovido de reconhecimento (mas há ainda alguma esperança de que isso aconteça?) eu tenho muito orgulho no que faço. Entendo que o leitor mais sensível censurar-me-á por não ter colocado uma mensagem inicial alertando para o carácter violento e desapropriado deste tipo de linguagem. 
Na verdade por vezes é assim que me sinto: desadequada ao pensamento característico da atualidade. Talvez nesta minha atitude pese o facto de "o meu tempo" não ser muito diferente deste tempo. As dificuldades que há 8 anos existiam  para quem entrava na profissão são praticamente iguais às dos nossos tempos. A diferença é que atualmente há mais gente, profissionais que já estão na carreira, a sofrer com essas condições e portanto o número de insatisfeitos cresce consideravelmente. 
No meu caso o que me deixa extremamente chateada,  mas não desmotivada, são aqueles que chamo de "professores de recreio" que, como todo o bom "treinador de bancada", tem uma opinião sobre o tema. No caso dos "treinadores de bancada" penso que é mais justo uma vez que todos temos acesso ao jogo através de visualização direta ou indireta e podemos concordar ou não com as opções/opiniões. Já menos justos são os comentários dos "professores de recreio" que não sabendo o que acontece na seio da Escola e menos na sala de aula opinam sobre tudo e todos. É isso sinceramente que me irrita nestes supostos "professores de recreio". Eles têm tantas caras como as opiniões que ajudam a comunidade a formar sobre a Escola e os Professores. O mais curioso é que eles são a própria Escola mas como estão demasiado ocupados a tecer considerações sobre o que sabem e não sabem sobre ela ainda não se deram conta isso.  Esses tais ainda não se deram conta de que  falar mal não substitui a ausência destes na vida da Escola; não substitui a sua ausência em reuniões em que é solicitado; não substitui o acompanhar do seu educando ou não substitui o desinteresse pelo percurso escolar deste. Como qualquer um, o professor de recreio precisa entender uma vez por todas que para ganhar o Euromilhões é necessário disponibilizar tempo para escolher as apostas e, como em todos os jogos, não desanimar a uma primeira derrota e voltar a tentar. A diferença entre apostar no Euromilhões e apostar na Escola é que na segunda aposta não podemos solicitar à máquina que escolha por nós, somos nós que temos de agir. 
Se apostei 5 vezes no Euromilhões foi muito. Já no que diz respeito à Escola faço-o todos os dias. Vale a pena... eu pelo menos faço com que valha. 
A próxima vez que ouvir falar da Escola, verifique as referências, veja se a informação é fidedigna.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Sobre a Amizade (outra vez)


Aos amigos verdadeiros,
Aos que estão sempre mesmo quando os outros se afastam.

Feliz Dia de São Valentim!! 


O que Distingue um Amigo Verdadeiro

Não se pode ter muitos amigos. Mesmo que se queira, mesmo que se conheçam pessoas de quem apetece ser amiga, não se pode ter muitos amigos. Ou melhor: nunca se pode ser bom amigo de muitas pessoas. Ou melhor: amigo. A preocupação da alma e a ocupação do espaço, o tempo que se pode passar e a atenção que se pode dar — todas estas coisas são finitas e têm de ser partilhadas. Não chegam para mais de um, dois, três, quatro, cinco amigos. É preciso saber partilhar o que temos com eles e não se pode dividir uma coisa já de si pequena (nós) por muitas pessoas. 

Os amigos, como acontece com os amantes, também têm de ser escolhidos. Pode custar-nos não ter tempo nem vida para se ser amigo de alguém de quem se gosta, mas esse é um dos custos da amizade. O que é bom sai caro. A tendência automática é para ter um máximo de amigos ou mesmo ser amigo de toda a gente. Trata-se de uma espécie de promiscuidade, para não dizer a pior. Não se pode ser amigo de todas as pessoas de que se gosta. Às vezes, para se ser amigo de alguém, chega a ser preciso ser-se inimigo de quem se gosta.

Em Portugal, a amizade leva-se a sério e pratica-se bem. É uma coisa à qual se dedica tempo, nervosismo, exaltação. A amizade é vista, e é verdade, como o único sentimento indispensável. No entanto, existe uma mentalidade Speedy González, toda «Hey gringo, my friend», que vê em cada ser humano um «amigo». Todos conhecemos o género — é o «gajo porreiro», que se «dá bem com toda a gente». E o «amigalhaço». E tem, naturalmente, dezenas de amigos e de amigas, centenas de amiguinhos, camaradas, compinchas, cúmplices, correligionários, colegas e outras coisas começadas por c.
Os amigalhaços são mais detestáveis que os piores inimigos. Os nossos inimigos, ao menos, não nos traem. Odeiam-nos lealmente. Mas um amigalhaço, que é amigo de muitos pares de inimigos e passa o tempo a tentar conciliar posições e personalidades irreconciliáveis, é sempre um traidor. Para mais, pífio e arrependido. Para se ser um bom amigo, têm de herdar-se, de coração inteiro, os amigos e os inimigos da outra pessoa. E fácil estar sempre do lado de quem se julga ter razão. O que distingue um amigo verdadeiro é ser capaz de estar ao nosso lado quando nós não temos razão. O amigalhaço, em contrapartida, é o modelo mais mole e vira-casacas da moderação. Diz: «Eu sou muito amigo dele, mas tenho de reconhecer que ele é um sacana.» Como se pode ser amigo de um sacana? Os amigos são, por definição, as melhores pessoas do mundo, as mais interessantes e as mais geniais. Os amigos não podem ser maus. A lealdade é a qualidade mais importante de uma amizade. E claro que é difícil ser inteiramente leal, mas tem de se ser. 

Miguel Esteves Cardoso in Os meus problemas

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Sobre os Amigos de Circunstância

Há uns anos escrevi sobre os "amigos de circunstância" que encontrei num determinado contexto de trabalho. Este termo suscitou alguma curiosidade em relação ao motivo que me leva a utilizá-lo de uma forma tão convicta. 
Os meus "amigos de circunstância" são aquelas pessoas que conheci num determinado contexto (portanto numa circunstância) e que pelas experiências conjuntas que tivemos; pelos objetivos que alcançámos juntos; pelo caminho que percorremos juntos ou pela forma como nos respeitámos e respeitámos as nossas diferenças ganharam esse estatuto: o de Amigos. E se são Amigos é exatamente por estes motivos. Neste caso a "circunstância" é apenas o eixo promotor de desenvolvimento de competências sociais e pessoais que de uma forma natural nos aproximam uns dos outros.
Estes Amigos de Circunstância a quem hoje dedico este post são cada um deles [ines]quecíveis à sua maneira e é por isso que penso que merecem lugar neste meu espaço virtual.
Foi em novembro que os conheci, 45 minutos depois da hora marcada para a primeira de noventa horas destinadas à Formação Pedagógica Inicial de Formadores em Portimão. Cheguei atrasada e o meu local estava vazio. "Raios...fiquei mesmo no meio da sala em forma de U!!" pensei maldizendo a imagem de GPS que tinha retirado no dia antes de começar a formação para não me perder nesse dia. Depois de incomodar metade dos formandos para finalmente ocupar o meu lugar, sentei-me. Deram-me uma folha em branco para escrever: dados pessoais relevantes; expetativas em relação ao curso; uma qualidade e aspetos que considerava que devia melhorar. Eu nesse dia não podia imaginar, por muito altas que estivessem as minhas expetativas (e não estão sempre?), o que as horas de trabalho com aquele grupo me proporcionariam. E ainda bem que assim foi, caso contrário não estaria aqui a escrever sobre eles. 
São um grupo de trabalho entusiasta, trabalhador, esforçado, dedicado, criativo e crítico. Na sua companhia não há motivação que fique abalada nem rostos que não transpareçam um sorriso. 
Aqueles sábados com 8 horas de trabalho passavam sem que nos déssemos conta. Não me recordo de um único dia em que me apetecesse ir embora antes de chegar às 18:00 ou que acordasse sem vontade de ir. Penso que só por si este sentimento caracteriza o enorme gosto que era estar com o grupo.
As horas passaram e o grupo transformou-se. As mudanças que advêm das aprendizagens realizadas refletem-se em cada opinião dada; em cada opção tomada; em cada reflexão feita; em cada crítica construtiva  ouvida. 
Eu tenho muito orgulho nestes Amigos e agradeço a oportunidade de poder tê-los conhecido nesta circunstância. Agradeço a oportunidade de me terem feito crescer, de me terem dado a oportunidade de dizer o que penso; de ser ouvida; de me terem ensinado tantas coisas e de me terem dado o privilégio de poder estar outros momentos com eles depois destas 90 horas. 

O futuro só nos poderá reservar projetos auspiciosos e momentos de animado e bem-disposto convívio!

Obrigada Carla, Ana, Susana, Manuel; Cláudia, Sandra, Neusa e Marco. São pessoas como vocês...


quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Sobre as pessoas

O Ser Humano é um ser social por natureza. Todos nós nos relacionamos pessoal e profissionalmente. Todos nós somos ao mesmo tempo fruto e semente dessas relações. Os meus 33 anos de vida permitiram relacionar-me com pessoas extraordinárias: algumas delas continuam a fazer parte da minha vida e a estar presente nos momentos fundamentais. Outras deixaram de estar presentes mas ganharam um estatuto de como se estivessem. Outras ainda as circunstâncias fizeram com que num curto espaço de tempo também ocupem um lugar importante na minha vida atual. É a essas pessoas que de alguma forma têm marcado o meu percurso de vida que eu hoje dedico este post. 
As palavras são de Joaquim Pessoa mas o sentimento é partilhado por mim. Nem sempre as lições que tiramos dos nossos relacionamento podem ser doces mas com certeza são as amargas que nos fazem apreciar o doce sabor da amizade e de nos sentirmos integrados e reconhecidos num grupo. 

São as Pessoas como Tu

São as pessoas como tu que fazem com que o nada queira dizer-nos algo, as coisas vulgares se tornem coisas importantes e as preocupações maiores sejam de facto mais pequenas. São as pessoas como tu que dão outra dimensão aos dias, transformando a chuva em delirante orvalho e fazendo do inverno uma estação de rosas rubras.
As pessoas como tu possuem não uma, mas todas as vidas. Pessoas que amam e se entregam porque amar é também partilhar as mãos e o corpo. Pessoas que nos escutam e nos beijam e sabem transformar o cansaço numa esperança aliciante, tocando-nos o rosto com dedos de água pura, soltando-nos os cabelos com a leveza do pássaro ou a firmeza da flecha. São as pessoas como tu que nos respiram e nos fazem inspirar com elas o azul que há no dorso das manhãs, e nos estendem os braços e nos apertam até sentirmos o coração transformar o peito numa música infinita. São as pessoas como tu que não nos pedem nada mas têm sempre tudo para dar, e que fazem de nós nem Ícaros nem prisioneiros, mas homens e mulheres com a estatura da vida, capazes da beleza e da justiça, do sofrimento e do amor. São as pessoas como tu que, interrogando-nos, se interrogam, e encontram a resposta para todas as perguntas nos nossos olhos e no nosso coração. As pessoas que por toda a parte deixam uma flor para que ela possa levar beleza e ternura a outras mãos. Essas pessoas que estão sempre ao nosso lado para nos ensinar em todos os momentos, ou em qualquer momento, a não sentir o medo, a reparar num gesto, a escutar um violino. São as pessoas como tu que ajudam a transformar o mundo.